quinta-feira, 10 de junho de 2021

As troianas, Eurípides

As troianas, Eurípides, 415ac, 101 páginas, tradução de Mário da Gama Kury, Zahar. 

As troianas é uma peça que demonstra o horror da guerra, em especial para as mulheres. Após a derrocada de Troia, as mulheres troianas são divididas entre os gregos, para servirem de escravas ou amantes. A guerra é um desastre e uma tragédia e, parece-me, a guerra é uma “diversão” e fantasia masculina. Quem sabe, um mundo matriarcal não teria guerras. A peça é tragédia absoluta: só há sofrimento e desesperança. Não há consolo para as troianas, tampouco para nós nestes tempos sombrios que vivemos no país sem esperança. Um libelo contra a guerra e a violência, predominantemente masculina, de todas as épocas.



A peça começa com o lamento de Hécuba pela derrota da cidade. Diferentemente de outras peças, há dois coros (ou semicoros) compostos por mulheres troianas, cada um dos quais tendo como corifeu uma mulher. Há um coro de mulheres jovens e um coro de viúvas. 

“É insensata a criatura que se alegra / com um momento de felicidade e o julga / interminável, pois a sorte, sempre incerta, / é igual ao homem delirante que em seus transes / cai para um lado agora, depois para o outro. / Quem poderá dizer que sempre foi feliz?” 

Cassandra, profetisa e bacante, filha de Hécuba, foi escolhida por Agamenon. Ela sai de sua tenda em estado de delírio e, sendo virgem pois sacerdotisa de Apolo, anuncia suas “núpcias” e profetiza que será assassinada juntamente com Agamenon. A outra filha de Hécuba, Polixena, foi sacrificada em honra de Aquiles. 

Ouvem-se novamente os lamentos de Hécuba. Os coros exaltam Troia e recordam a artimanha do cavalo de madeira. 

Entram Andrômaca, a viúva do herói troiano Heitor, com o filho Astiânax. Andrômaca foi escolhida por Neoptólemo, filho de Aquiles. Ela pensa que partirá com o filho, porém Ulisses aconselhou aos gregos que o menino fosse morto para não se vingar no futuro. O mensageiro Taltíbio vem buscar a criança. 

Menelau chega para buscar Helena. Discute-se o castigo para Helena, a morte, e a sua culpa na guerra. Helena se defende e Hécuba a acusa e pede a morte de Helena. Menelau assegura que Helena será morta na Grécia, mas o futuro dela permanece incerto, por causa de sua beleza e sedução. 

Os coros lamentam Troia e o cativeiro. Taltíbio traz o corpo de Astiânax, que foi arremessado do alto das muralhas de Troia. Hécuba prepara o corpo do neto para o funeral; levam o corpo do menino. 

Troia em chamas, as cativas vão embarcar nos últimos navios gregos. Hécuba e os coros ajoelham-se e batem na terra para invocar os mortos. Depois, caminham para os navios.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Antígona, Sófocles

Antígona, Sófocles, século V a.C., 90 páginas, tradução de Mário da Gama Kury, Zahar. Lido em 27/05/2021.



Antígona é uma das tragédias que mais rende discussões e pontos de vista. Por isto, tão fascinante. Em Antígona, todos estão errados e todos estão certos – ou todas as posições geram conflitos. 

Após a morte de Édipo em Colono, Tebas entra em uma guerra civil. A guerra deriva do desentendimento entre Etéocles e Polinices, filhos de Édipo. Eles haviam concordado em dividir o poder na cidade: cada um reinaria um ano. Mas Etéocles recusou-se a devolver o trono a Polinices. Este procurou aliados em outras cidades e formou um exército para tomar o poder. 

Na batalha pela cidade, Polinices e Etéocles se matam mutuamente, e os deuses protegem a cidade, livrando-a dos inimigos. 

Creonte, irmão de Jocasta e tio dos irmãos mortos, frente ao vácuo de poder, assume o trono. Nós estamos muito distantes da cultura grega da época, mas devemos perceber que Creonte é um tirano no sentido grego: o tirano é alguém que assume o poder em situações excepcionais, mas que não deixa de lado a democracia e que pretende conduzir o governo para a volta à democracia (democracia grega, diferente do nosso entendimento). 

Creonte assume o poder e decide que Etéocles terá as honras fúnebres – pois defendia a cidade – enquanto o cadáver de Polinices será deixado exposto às aves e aos animais – visto que este tencionava destruir a cidade. 

Antígona, irmã dos dois mortos, decide que não vai se submeter às ordens de Creonte. Para ela, há uma ordenação maior, divina, e é necessário dar tratamento digno aos mortos. 

Creonte convoca os anciãos, como se fossem senadores, e comunica sua decisão. De certo modo, Creonte respeita um rito democrático. Todavia, ele desrespeita a cultura: a humanidade costuma honrar os corpos de seus mortos, independentemente de ordens divinas. 

Antígona desrespeita a lei civil, que considera menor que a lei divina (ou a cultura). Ela não questiona a legitimidade do poder de Creonte, mas se pode pensar que sub-repticiamente ela também desafia o poder do autoproclamado tirano-rei. 

O coro de anciãos parece ter medo de desafiar o novo rei. Um guarda, do corpo de guardas que foi encarregado de vigiar e garantir que o cadáver de Polinices não fosse enterrado, tem muito medo da ira do rei, e demonstra isso quando traz más notícias. 

Antígona exerceu honras fúnebres, incompletas até, ao corpo do irmão. Foi presa e levada para Creonte. Este a condena a uma morte indireta: ordena que seja aprisionada em uma caverna, mas com alguma comida. O filho de Creonte, Hêmon, namorado de Antígona, tenta convencer o pai do erro, mostrando que a população não concorda com a falta de respeito aos mortos e com a prisão de Antígona. Creonte não cede. 

Mais tarde, interpelado pelo adivinho Tirésias e aconselhado pelo coro de anciãos, decide reverter as ordens e enterrar Polinices e libertar Antígona. Mas é tarde: Antígona se matou na caverna. Creonte vai até lá e encontra o filho, Hêmon, que ataca o pai. Não consegue ferir Creonte, mas se mata, lançando-se sobre sua espada. Para completar a punição (dos deuses?) a Creonte, sua esposa também se mata ao saber da morte do filho. 

Observa-se como há riqueza de elementos nesta tragédia. Posso desafiar as leis civis em nome de crenças religiosas? E em nome da dignidade humana? E se as leis civis foram feitas de forma excepcional, em um período não de todo democrático? Polinices era um traidor? Etéocles foi um traidor? A maldição da família de Édipo foi responsável por todas as crises de Tebas? 

Muito foi escrito e pensado sobre Antígona e continuará sendo.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

A mão esquerda da escuridão, Ursula K. Le Guin, 1969

A mão esquerda da escuridão, Ursula K. Le Guin, 1969, 304 páginas, tradução de Susana Alexandria, Aleph.



Excepcional história de Le Guin. Ficção científica ampla, sem a estreiteza comum nesta área. Le Guin conta uma história que trata de sexualidade, patriotismo, preconceito, empatia, amor, companheirismo, política, aventura. 

A autora criou um planeta inteiro, com seus mitos, países, costumes, tradições, geografia, clima. Um trabalho admirável. 

Diferentemente dos autores famosos e suas branquitudes, Bradbury, Asimov, Orwell e outros, um dos personagens principal é negro e outro não tem gênero definido. Sim, pois no planeta Gethen, os humanos somente assumem um gênero em determinado período do mês, o kemmer. Neste período, os humanos procuram outro ser na mesma fase de kemmer e juntam-se. O kemmering pode ser para toda a vida ou apenas naquele período. 

O romance traz, também, vislumbres sobre o misticismo e as religiões de Gethen, bem como a vida rural e urbana. Vale muito a pena ler Ursula K. Le Guin. 

Breve resumo. 

Capítulo 1. No planeta Inverno (ou Gethen), Genly Ai é o enviado da Ekumen, uma aliança de planetas. O enviado vai convidar Gethen a participar da aliança. Ele está em Erhenrang, capital do reino de Karhide; o rei se chama Argaven XV; o Ouvido do Rei, uma espécie de primeiro-ministro é Estraven; o primo do rei é Tibe; kyoremy é o parlamento do país. Os humanos do planeta não têm gênero definido.

Capítulo 2. Conta-se uma história antiga de Gethen sobre dois irmãos em kemmering (um tipo de casamento) e que foram proibidos de permanecer juntos após o parto de um filho deles. Suicídio e maldições, a história me fez pensar em Édipo Rei. 

Capítulo 3. O primeiro-ministro Estraven foi acusado de traição e expulso do país, em seu lugar ficou Tisbe. Genly Ai se encontra com o rei mas não o convence a aceitar a aliança de planetas. 

Capítulo 4. Conta-se história antiga sobre os Retiros e os Vaticínios. Como nos oráculos gregos, as respostas são dúbias. 

Capítulo 5. Genly Ai viaja pelo interior de Karhide para conhecer os Retiros e os Videntes. 

Capítulo 6. Estraven narra sua fuga para Orgoreyn. 

Capítulo 7. Notas sobre a sexualidade dos gethenianos. 

Capítulo 8. Genly Ai viaja para Orgoreyn. 

Capítulo 9. Conta a história do jovem Estraven. 

Capítulo 10. Estraven visita Genly na capital de Orgoreyn. Genly é apresentado aos políticos do país. 

Capítulo 11. Estraven medita sobre os acontecimentos envolvendo a chegada de Genly ao planeta. 

Capítulo 12. Sobre o culto à Meshe. 

Capítulo 13. Genly é traído pelos políticos de Orgoreyn e enviado para uma fazenda prisão no interior do país. 

Capítulo 14. Estraven consegue resgatar Genly da fazenda. 

Capítulo 15. Genly muito fraco. Estraven organiza a fuga dos dois para Karhide por uma região gelada. 

Capítulo 16. A odisseia de cruzar gelo, montanhas e vulcões. 

Capítulo 17. Mito sobre a criação da humanidade. 

Capítulo 18. Continua a travessia gelada. 

Capítulo 19. Conseguem chegar ao interior de Karhide. São denunciados. Estraven tenta atravessar a fronteira para Orgoreyn e é morto. 

Capítulo 20. Genly é levado para a capital de Karhide. Os governos dos dois países são substituídos. O rei Argaven aceita a aliança com o Ekumen. A nave do Ekumen desce em Karhide. Os representantes do Ekumen começam a trabalhar em prol das relações entre Gethen e os demais planetas. Genly visita a família de Estraven.