O tempo desconjuntado, Philip K. Dick, 1959

O tempo desconjuntado, Philip K. Dick, 1959, 267 páginas, tradução de Braulio Tavares, Suma. Início: 28/02/2021 – Fim: 04/03/2021. Nota 2 (Regular).

 


“O tempo desconjuntado”, título original “Time out of joint”. Para mim, os enredos de PKD possuem um tema interessante – um achado, uma iluminação – mas são mal desenvolvidos. É uma escrita preguiçosa a dele. 

Exemplo: “O homem do castelo alto”, como seriam os Estados Unidos se a Alemanha e Japão tivessem ganho a Segunda Guerra. Boa ideia para um livro, mas o desenvolvimento é fraco e mal alinhavado. 

Aqui, no “Tempo desconjuntado” é até melhor. 

O personagem Ragle Gumm começa a perceber que o seu mundo é falso. Estamos em 1959. A família de Ragle também percebe situações estranhas. Memórias de outra vida, objetos virtuais, transmissões de rádio esquisitas, revistas que mostram situações e fatos desconhecidos para eles. Ragle, sua irmã Margo, seu cunhado Victor e o filho deles, Sammy, vão aprofundando as investigações. Mas é Ragle quem quer mais intensamente descobrir a verdade, o mundo real. 

Vê-se que o filme “O show de Truman” derivou diretamente da história de PKD. 

Ragle Gumm ganha a vida resolvendo enigmas de um jornal, e ganha algum dinheiro com isso. Apesar da boa vida, ele se sente incomodado e percebe as incoerências, cada vez mais evidentes. Então, decide fugir da cidade e ver como é o mundo lá fora. 

Aviso de spoiler: vou escrever sobre todo o enredo do livro, continue por sua conta e risco. 

Ragle descobre que o ano verdadeiro é 1998 e que a Terra e a Lua estão em guerra. A Lua ataca a Terra com mísseis e Ragle, por meio de uma capacidade estética e intuitiva, consegue indicar com grande margem de acerto onde os mísseis irão cair, diariamente. O concurso do jornal é um simulacro que diminui a tensão de Ragle naquele trabalho de vida e morte. Ele descobre também que, antes de ser confinado naquela falsa cidade e falsa vida, preparava-se para abandonar a Terra e aliar-se à Lua. A Terra (leia-se, os Estados Unidos) queria o isolacionismo e os colonos da Lua queriam as viagens espaciais e a colonização da galáxia. 

Então, temos um livro fácil de ler, instigante, mas com aquela preguiça característica de PKD. Nada é aprofundado, os personagens são rasos, a história é mal explicada. Deste modo, o capítulo final concentra, mal-amanhadamente, quase todas as “explicações”. 

Uma parte curiosa é o adultério consentido: não apenas a cidade é falsa, como também foi criada uma família falsa para Ragle. A “irmã” dele, Margo, descobre que não é a esposa verdadeira de Victor, e sim de Bill Black, o vizinho, que na verdade é um oficial encarregado de manter as coisas sobre controle. Bill é “casado” com June. Portanto, o oficial Black colocou a própria mulher para ser a esposa de Victor. Está implícito que tanto Margo quanto Bill devem ter exercido as competências sexuais de um casamento normal. 

As pessoas que vivem na cidade falsa, inclusive a falsa família de Ragle, sofreram algum tipo de procedimento cerebral para acreditar que aquilo é verdade. Será que Margo submeteu-se a isso por sua própria vontade? Ou Bill Black a meteu nisto sem anuência? Como as mulheres não valem nada para PKD, vai ver que foi sem sequer consultá-la. 

Isto, essa falta de importância das mulheres, é assustadora e intrigante nesse “luminares” da FC, como PKD e Bradbury: eles conseguem imaginar viagens espaciais, conseguem imaginar a vida em Marte e na Lua, conseguem questionar se o real é real, mas as mulheres continuam lavando pratos e fazendo o jantar. Não importa se é em Marte, na Lua, daqui a mil anos, a vida imaginada por eles é homens trabalhando e desejando mulheres, e mulheres cuidando da casa e dos filhos. 

Resumo. 

Capítulo 1. O leitor é apresentado à uma família: Victor e sua mulher Margo, o filho Sammy, e o irmão de Margo, Ragle Gumm. Ragle tem como ocupação decifrar um enigma diário de um jornal. Como acerta na maior parte das vezes, ganha prêmios em dinheiro e vive disso. Estamos em 1959. 

Capítulo 2. A família de Ragle recebe a visita dos vizinhos, June e Bill Black. Victor sente que há algo estranho no mundo. 

Capítulo 3. Ragle recebe a visita de Lowery, representante do jornal, que veio tirar dúvidas sobre as respostas ao enigma. Ragle vai à piscina com June Black e tenta beijá-la. Quando vai comprar uma cerveja, a barraca some e fica em seu lugar apenas um papel escrito “barraca de refrigerantes”. 

Capítulo 4. Esse sumiço de coisas já aconteceu seis vezes com Ragle. Sammy achou papéis semelhantes aos de Ragle nas ruínas. Ragle vai até lá e encontra uma lista telefônica e revistas estranhas. Ele pensa em deixar de participar do concurso do jornal. Ragle telefona para alguns números da lista esquisita, que não existem. 

Capítulo 5. Bill Black é avisado de Ragle tentou telefonar para os números da lista. Ele vai até a casa de Ragle. A família pergunta a Black sobre uma atriz desconhecida que viram nas revistas, Marilyn Monroe. Black fica com a lista e conversa com Lowery sobre tudo. 

Capítulo 6. Sammy tenta sintonizar transmissões de rádio. Ragle vai até a casa da senhora Keitelbein para reuniões da defesa civil. Victor desconfia ainda mais da realidade; consegue ver o ônibus oco, como se fosse apenas uma estrutura transparente. 

Capítulo 7. No clube de Sammy, eles captam estranhas transmissões de rádio que parecem falar de naves. Alguém fala de Ragle Gumm no rádio e ele decide fugir da cidade. Parece que alguém não quer que ele saia da cidade mas ele consegue alcançar a rodovia. 

Capítulo 8. Ragle é perseguido por um falso policial em motocicleta. Depois de despistar o policial e dirigir por trinta quilômetros, Ragle entra por uma estrada de terra, atola o carro, caminha e encontra uma casa. A mulher e o rapaz parecem com a família Keitelbein, mas são a família Kesselman. Eles abrigam Ragle. 

Capítulo 9. Ragle desconfia dos Kesselman e os tranca no armário. Descobre revistas de 1997. Os Kesselman fogem. Uma equipe chega para capturar Ragle. 

Capítulo 10. Ragle acorda em casa e não se recorda do que aconteceu. Margo diz que ele chegou bêbado. 

Capítulo 11. Ragle vai à reunião da Defesa Civil na casa dos Keitelbein. Estes mostram a ele uma maquete de uma fábrica. Ragle tenta entender o que está acontecendo. Vai ao supermercado e convida Victor para fugir com ele em um caminhão de abastecimento. 

Capítulo 12. Ragle e Victor pegam um caminhão e saem da cidade. Conseguem passar por barreiras e chegam a outra cidade. Abrigam-se com alguns jovens estranhamente vestidos. 

Capítulo 13. Ragle e Victor entram em uma farmácia e encontram a senhora Keitelbein. Há uma guerra entre a Terra e a Lua. Os Keitelbein são colonos na Lua. Ragle Gumm ia abandonar o lado da Terra e aliar-se à Lua. 

Capítulo 14. A Terra é isolacionista e a Lua quer investir em viagens espaciais e colonização. Os ataques da Lua são combatidos com a “intuição” de Ragle. Ele e Victor começam a recordar de tudo. Margo recebe Bill Black em sua casa. Ele explica a ela que aquilo tudo é cenário para a vida de Ragle. Na verdade, Margo é a esposa de Black, com quem tem dois filhos. Victor é pai Sammy com outra mulher. June não é esposa de Black. Victor vai voltar a cidade falsa. Ragle vai para a Lua, aliar-se aos colonos e a guerra vai acabar.