As ruas escondem e revelam

(as ruas escondem e revelam arte)
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Qualquer pessoa que goste um pouquinho de bicicletas está chocado, assustado, impressionado com a covardia que aquele motorista de Porto Alegre fez ao lançar seu belo carro preto em alta velocidade sobre dezenas de ciclistas que seguiam em marcha lenta e pacificamente.
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Eu vi há tempos o lançamento do livro de David Byrne, Diários de Bicicleta, eu não pensava em comprar, mas quando vi na Livraria Cultura, gostei e comprei. Mas o que ele escreve sobre bicicletas e cidades, é o mesmo que eu, meu amigo Jorge Waquim, Rogério Leite, escrevemos quase cotidianamente, apenas como ele é Byrne, ele conseguiu publicar. Em termos de olhar a cidade a partir do guidão da bicicleta, o olhar dele é o mesmo nosso. Boas observações e comentários sobre as cidades que ele visita com sua bike. Mas quando ele tenta falar sobre política - sobre o ambiente político de determinado local, o livro fica muito, muito superficial. Acho até que dá pra pensar que nossa, minha e de quem escreve sobre cidades e bicicletas, visão de mundo sobre outras culturas é mais intensa e perceptiva que a dele, uma visão muito estadunidense, apesar dele ser escocês, que mora e vive em Novyork há muitos e muitos anos. 
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Aqui no Recife, quando vou a primeira vez em algum lugar, às vezes evito ir de bicicleta pois aqui, nunca se sabe se vai ter um lugar pra colocar a bicicleta, então eu vou a primeira vez fazer a sondagem. Além disso, eu noto que os administradores das coisas aqui, dos prédios públicos e privados, eles são carrocratas, e então quando eles vão percebendo aumento na quantidade de motos e de bicicletas estacionadas no prédio "deles" então eles vão tecendo novas leis proibindo isso e aquilo. Parece ser uma delícia ter poder para proibir qualquer coisa. Já vi isso acontecer várias vezes aqui por onde ando. 
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Hoje, indo para a Universidade Rural de bicicleta e olhando o mundo da mesma maneira que David Byrne e Rogério Leite, da mesma maneira que o povo que anda de bicicleta olha. Em Recife, tou notando muito mais gente andando de bicicleta, indo para o trabalho e a escola, com capacete, e muito mais gente com capacete. Penso que isso é fruto dos muitos grupos de pedalar a noite. Vai dando um faniquito nas pessoas e elas aprendem que podem andar de dia também e usar a bici como meio de tranporte. Indo para a universidade hoje, claro, há varias trechos bem engarrafados, com duas fileiras de carros parados e a bicicleta vai passando no meio deles, suave e silenciosa. Quando cheguei no largo do zoológico de Dois Irmãos, em lugar de seguir com os carros, segui na direção tranquila do zoo, e pude parar em uma sombra e olhar um prédio antigo e belo e azul que pertence à companhia de águas. Parei, desci da bici, fotografei. Bicicleta sempre me espanta pela sua capacidade de conectar a gente com a cidade. O caminhar pela cidade também faz isso. Precisamos de cidades mais humanas, mais dedicadas ao cidadão e não ao petróleo e ao carro. Chover no molhado.