Tchekhov e o mar

Encontrei em Murakami, “1Q84”, volume 1, tradução de Lica Hashimoto:

“A finalidade da narrativa, em linhas gerais, é desenvolver um problema colocando-o sob outro parâmetro. Conforme a maneira de se expressar e o sentido dessa colocação, a própria história é que vai sugerir algumas respostas possíveis.”

E depois, Murakami citando Tchekhov:

“O escritor não é uma pessoa que soluciona problemas. É uma pessoa que os propõe.”

Em “1Q84”, o personagem Tengo lê um livro de Tchekhov sobre a ilha de Sacalina. Há o seguinte trecho sobre o mar:

“O mar é turvo, gelado, e suas brancas ondas de três metros, ao quebrar, parecem bramir: Deus! Por que tu nos criaste? Eis que estou em pleno Oceano Pacífico. [...] Ao redor não existem pessoas, aves, sequer uma mosca e, num local assim, há de se indagar: Para quem, afinal, essas ondas estão a bradar? Quem ouve este bramido todas as noites? O que essas ondas desejam? Para quem elas vão bradar quando eu partir?”

É curioso imaginar que este trecho de Tchekhov deve ter sido traduzido para o japonês – para que Tengo pudesse lê-lo – e traduzido para o português, por Hashimoto. Tradução da tradução.

Daí que em Tchekhov, “A dama do cachorrinho”, tradução de Boris Schnaiderman, encontra-se sensação semelhante frente ao mar:

“[...] o som monótono, abafado, do mar, que chegava de baixo, falava de descanso, do sono eterno que nos aguarda. Assim tumultuara lá embaixo, quando ainda não existiam Ialta, nem Oreanda; o mesmo ruído faz agora e fará, do mesmo modo indiferente e abafado, quando não existirmos mais. E nessa permanência, nessa completa indiferença em relação à vida e à morte de cada um de nós, oculta-se talvez o fundamento de nossa eterna salvação, do incessante movimento da vida sobre a terra, da perfeição imorredoura.”

Ao final, o mesmo sentimento de Tchekhov frente à imensidão e ao mistério.