O Aleph, Jorge Luis Borges, 1949

O Aleph, Jorge Luis Borges, 1949, 146 páginas, tradução de Flávio José Cardozo, Editora Globo. Início: 05/12/2020 – Fim: 10/12/2020. 

No Clube de Leitura, conversamos sobre o conto “O imortal”, de Borges e o conto “O imortal”, de Machado. A conversa, como sempre, demonstrou visões particulares, convergentes, divergentes, concomitantes e enriquece a compreensão da obra. A conversa seguiu por tópicos como mortalidade e imortalidade, transitoriedade, o possível enfado que a imortalidade causaria, as diferenças entre as abordagens machadiana e borgeana, a coincidência de métodos para adquirir e perder a imortalidade, a arquitetura sem fim dos imortais, os setenta anos no poço, as mentiras de Borges (mas todo escritor de ficção é um mentiroso), a constatação de que os três primeiros contos do livro “O Aleph” discorrem sobre a morte (O imortal, O morto, Os teólogos), o recurso utilizado por Borges do “manuscrito encontrado”, que também é usado em inúmeras obras, a opção de Machado em mostrar a tentativa de decapitação do imortal. Durante a conversa, outros autores forma chamados a participar, como H. P. Lovecraft, Sigmund Freud, Milan Kundera, Mary Shelley, Vladimir Nabokov. 

Depois da releitura daquele conto, deu vontade de reler todo o livro e foi o que fiz. Havia muito que não voltava a Borges e continuo gostando. Este livro e muitos outros dele merecem ser lidos, os contos são intrigantes, Borges tem uma enorme erudição, os contos discutem a vida e a morte, deus, a literatura, recomendo fortemente. 

Aviso de spoiler: vou descrever resumidamente todos os contos do livro, continue por sua conta e risco. 

O imortal. O prólogo que se passa em Londres, em 1929, e usa o recurso do manuscrito encontrado. Joseph Cartaphilus vende uma edição da Ilíada que contém um manuscrito. Pouco meses depois, Cartaphilus morre no naufrágio do navio Zeus. 

I. Um soldado romano inicia uma expedição com duzentos soldados em busca de um rio que dá a imortalidade, no tempo de Diocleciano (284 – 305), em Tebas Hekatompylos, a cidade das cem portas, Egito. A expedição passa por desertos, perdem-se soldados, motins, pirâmides, torres e labirintos. 

II. A cidade dos imortais seria na África? O romano chega a uma cidade, tribo de trogloditas, é manietado e pula de uma altura de nove metros. Descobrimos que é Marco Flamínio Rufo, tribuno militar romano. Bebe água do arroio sujo. Vai até a cidade de muros impenetráveis. Encontra uma caverna e um poço, escadas, vasta câmara circular subterrânea com nove portas – faz pensar em H. P. Lovecraft – outra câmara e outra e outra, no vertiginoso, no mais alto, vê o céu azul quase púrpura, vertigem para cima, construções anteriores aos homens, anterior à terra, novamente Lovecraft, obra dos deuses, deuses morreram, os deuses estavam loucos, escadas sem sentido de M. C. Escher, essa cidade “contamina o passado e o futuro e compromete os astros”, o personagem volta aos hipogeus. 

III. O troglodita que ficou esperando o romano recebe o nome de Argos, tentativa de ensinar a linguagem a Argos, macaco não fala deliberadamente para não ser obrigado a trabalhar, chove e os trogloditas dançam como coribantes, Argos é Homero. 

IV. Os imortais, a cidade desatinada, deuses irracionais que governam o mundo, os mortais veneram o primeiro século (incompleto até), o prazer do pensamento, a morte torna os homens preciosos, no século dez partem em busca do rio da mortalidade. 

V. As viagens em busca do rio, em 1921 encontrou, tornou-se mortal, dormiu até o amanhecer. Certa confusão nos trechos finais, a separação entre narradores não é clara, era Homero ou o centurião. Há uma revisão do narrador. Depois, um pós-escrito de 1950 discutindo se o manuscrito é apócrifo. 

O morto. Sobre um integrante de bando que tenta sobrepujar o chefe, deixam ele se arvorar em chefe, depois é morto porque sempre esteve morto desde o momento que decidiu tentar ser chefe. 

Os teólogos. Conto confuso sobre dois teólogos que estudam e lutam contra as heresias, um deles condenado pela Inquisição, morre na fogueira, o outro morre em um incêndio, para deus, que não está interessado em diferenças religiosas, eles são a mesma pessoa. 

História do guerreiro e da cativa. Um guerreiro bárbaro muda de lado e defende a cidade de Ravena no século seis. No dezenove, uma inglesa vive como índia no interior da Argentina, histórias antagônicas ou ímpeto secreto. 

Biografia de Tadeo Isidoro Cruz. Um rapaz do interior argentino, vida dura, com elipses, casa, vira soldado, em uma expedição para prender alguém, muda de lado e junta-se a Martín Fierro. 

Emma Zunz. Uma moça descendente de alemães, cujo pai se suicidou por culpa do dono da fábrica onde ela trabalha, arma uma situação em mata o homem e diz que foi atacada e violentada por ele. 

A casa de Astérion. O Minotauro em seu labirinto descreve sua vida solitária. 

A outra morte. Neste conto, as memórias dos personagens em relação à morte de Pedro Damián mudam de forma inexplicável. Borges, também personagem, pensa inicialmente que o passado foi modificado e resultou na criação de dois universos. No final, ele prefere outra explicação para as duas mortes de Damián. Para mim, ficou a pergunta: quem será que explorou pela primeira vez, na literatura, a ideia de que a modificação do passado resultaria em universos paralelos? 

Trecho: “Modificar o passado não é modificar um só fato; é anular suas consequências, que tendem a ser infinitas. Por outras palavras: é criar duas histórias universais.” 

Deutches Requiem. Um nazista, ex-chefe de campo de concentração, agora condenado à morte, tece considerações sobre guerra, destino, judaísmo, a Alemanha, sobre a nova ordem que necessitava destruir para nascer, inclusive destruir a própria Alemanha. Na época do livro, 1949, até fazia sentido como sarcasmo, ironia, não aceitação da derrota, mas hoje com a Alemanha poderosa, não faz tanto sentido. 

A busca de Averróis. Borges tenta imaginar como teria sido uma parte da vida de Averróis, o qual tenta descobrir o que significam os termos comédia e tragédia na obra de Aristóteles, e tudo se dissolve no ar. 

O Zahir. O narrador diz que Zahir significa evidente, visível, e que é, também, um dos noventa e nove nomes de deus. O Zahir é um objeto qualquer, aleatório, que depois de visto fica na mente do observador, enlouquecendo-o. 

Trecho: “Terão que alimentar-me e vestir-me, não saberei se é tarde ou manhã, não saberei quem foi Borges. Qualificar de terrível esse futuro é uma falácia, já que nenhuma de suas circunstâncias terá significado para mim. Tanto valeria sustentar que é terrível a dor de um anestesiado a quem abrem o crânio. Já não perceberei o universo, perceberei o Zahir.” 

A escrita do deus. Um sacerdote e um jaguar presos em uma câmara que semelha aquela do conto de Poe, “O poço e o pêndulo”, mas separados por uma parede, durante anos. O sacerdote descobre a escrita de deus, são quatorze palavras de quarenta sílabas, e este conhecimento faz com que não tenha mais conhecimento de sua situação ou forma humana. 

Abenjacan, o bokari, morto em seu labirinto. Um conto sobre troca de identidades, identidades voláteis são tema caro a Borges. Zaid, o vizir de Abenjacan, o trai e foge com seu tesouro, e constrói um labirinto no qual espera que venha encontrá-lo para se vingar. 

Os dois reis e os dois labirintos. Continho curto sobre humilhação, vingança e o deserto como labirinto. 

A espera. Homem espera pela chegada de assassino que vem, aparentemente, para uma vingança, o homem adota o nome do assassino. 

O homem no umbral. Bom conto sobre a vingança da população contra um juiz violento e corrupto. 

O Aleph. O primeiro parágrafo é perfeito. O Aleph é um ponto que proporciona visão de tudo, o universo inteiro e cada detalhe, tudo ao mesmo tempo. O personagem ama incondicionalmente uma mulher que o despreza, em vida e após a morte dela. 

Trecho: “Na ardente manhã de fevereiro em que Beatriz Viterbo morreu, depois de uma imperiosa agonia que não cedeu um só instante nem ao sentimentalismo nem ao medo, observei que os painéis de ferro da Plaza Constitución tinham renovado não sei que anúncio de cigarros vermelhos; o fato me desgostou, pois compreendi que o incessante e vasto universo já se afastava dela e que essa mudança era a primeira de uma série infinita. Mudara o universo mas eu não, pensei com melancólica vaidade; sei que, alguma vez, minha vã devoção a exasperara; morta, eu podia consagrar-me a sua memória, sem esperança, mas também sem humilhação.” 

A intrusa. Triste conto em que a amizade entre irmãos leva ao assassinato da mulher amada por ambos.