O alienista, Machado de Assis, 1882.

Notas esparsas sobre O alienista, Machado de Assis. 

Originalmente, foi publicado como um dos contos do volume Papéis avulsos, em 1882. Atualmente, é publicado por vezes na forma de livro. No volume 50 contos de Machado de Assis, da Companhia das Letras, tem 44 páginas. O conto é dividido em 13 capítulos: 

1. De como Itaguaí ganhou uma casa de orates

2. Torrente de loucos

3. Deus sabe o que faz!

4. Uma teoria nova

5. O terror

6. A rebelião

7. O inesperado

8. As angústias do boticário

9. Dois lindos casos

10. A restauração

11. O assombro de Itaguaí

12. O final do § 4º

13. Plus ultra! 

Casa de orates significa “casa de doidos, de loucos”. Vem do provençal arat, “louco”, do Latim auratus, “pessoa bafejada por uma aura”, ou seja, um sopro maligno que era origem de loucura ou epilepsia. 

Curiosidade 1: Em Vulgo Grace, 1991, Margaret Atwood criou um personagem curioso, um médico que planeja abrir um sanatório para tratar os loucos e estudá-los. O Dr. Simon tem uma tendência a ver loucura em todos: 

Minha previsão é que ele termine como residente do manicômio particular que eu ainda sonho em fundar; embora eu tenha que controlar minha propensão a ver cada nova pessoa que conheço como um futuro paciente pagante. 

Observe-se o nome, Simon e Simão, e as tendências semelhantes nos dois personagens. O conto O alienista foi publicado em inglês em 1963, com o nome de The psychiatrist. Não penso em plágio, acredito que Atwood pode ter lido o conto de Machado e aquela ideia ficou escondida em um cantinho do cérebro, aflorando depois, modificada e parecida. 

Curiosidade 2: Coincidência das janelas verdes entre Machado e Eça. No conto O alienista, Machado situa na Rua Nova da cidade de Itaguaí a Casa Verde e explica: 

A Casa Verde foi o nome dado ao asilo, por alusão à cor das janelas, que pela primeira vez apareciam verdes em Itaguaí.” 

Em Lisboa, existe a Rua das Janelas Verdes e é lá que Eça situa o Ramalhete no magnífico romance Os Maias: 

A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o Bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete.” 

Os Maias foi publicado em 1888. Um acaso que une as obras dos dois grandes escritores. 

O enredo do conto é sumamente conhecido mesmo por quem não o leu. O médico Simão Bacamarte funda uma casa para abrigar, estudar e curar os loucos da cidade e termina por nela colocar quase toda a população da cidade de Itaguaí, estado do Rio de Janeiro. Ao final, o médico libera todos os loucos e interna-se na casa para estudar a própria loucura. 

O conto se passa na cidade de Itaguaí: “Itaguaí é o meu universo” e “a Casa Verde é agora uma espécie de mundo”, na qual o alienista exerceria o “governo espiritual”. Este tema do espaço físico continua a se fazer presente no conto: “A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.” 

O autor faz referência à linguagem bíblica, inclusive com exageros típicos daquela compilação: cinquenta janelas de lado e sete dias de festas públicas na inauguração; um doido declama sua genealogia, que passa por Davi, ao modo das genealogias bíblicas. 

O alienista é versado na cultura árabe e o autor utiliza-se de numerosas palavras derivadas do árabe como algibebe (mascate), albarda (sela de palha), almotacé (fiscal de pesos e medidas), almude (unidade de medida, 700 ml), além de citar o Corão e Averróis. 

Quando ela ali entrou, precipitada, o ilustre médico escrutava um texto de Averróis; os olhos dele, empanados pela cogitação, subiam do livro ao teto e baixavam do teto ao livro, cegos para a realidade exterior, videntes para os profundos trabalhos mentais.” Ora, pode haver aí uma brincadeira com a ciência do alienista ser antiga ou antiquada visto que Averróis pertence ao passado distante (1126 – 1198). 

Falsificações. O alienista coloca uma inscrição do Corão no frontispício da Casa Verde, mas a atribui ao papa Benedito VIII. As notícias falsas: um dos vereadores “desfrutava a reputação de perfeito educador de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só desses bichos; mas, tinha o cuidado de fazer trabalhar a matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida à absoluta confiança no sistema.” 

Os olhos, fixação de Machado: “os olhos, que era sua feição mais insinuante, negros, grandes, lavados de uma luz úmida, como os da aurora.” 

Desde o início, alguns suspeitam da sanidade do médico: “Quem é que viu agora meter todos os doidos dentro da mesma casa?” sentenciava um vereador, indignado com a proposta, até parecendo “em si mesma sintoma de demência”. “A Casa Verde é um cárcere privado”, “monomania do próprio médico”, “o vereador fez esta reflexão: – Nada tenho que ver com a ciência; mas se tantos homens em quem supomos juízo são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista? 

O alienista é inabalável, “frio como um diagnóstico”, e “impassível como um deus de pedra”. 

Quatro quintos da população estavam encerrados no sanatório, “tudo era loucura”, e assim, o alienista conclui que o normal é o desequilíbrio e que o patológico é o equilíbrio ininterrupto. 

O barbeiro Porfírio, ensinado pelos acontecimentos, tendo “provado tudo”, como o poeta disse de Napoleão, e mais alguma coisa, porque Napoleão não provou a Casa Verde”. 

O boticário Crispim Soares comparado com o asno de Buridan, que morre de fome e sede por não conseguir escolher entre a comida e a água. 

“ – Mas deveras estariam eles doidos e foram curados por mim, – ou o que pareceu cura não foi mais do que o perfeito desequilíbrio do cérebro? 

O alienista possuía o “perfeito equilíbrio mental e moral; pareceu-lhe que possuía a sagacidade, a paciência, a perseverança, a tolerância, a veracidade, o vigor moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar um acabado mentecapto.” 

Morreu dezessete meses depois de se recolher à Casa Verde e “nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí.” 

Recomendo, para quem quiser conhecer mais dos deliciosos contos de Machado, os seguintes: 

- O imortal: ficção científica de Machado de Assis sobre um homem que adquire a imortalidade em Pernambuco no século XVI. 

- As academias de Sião: onde Machado questiona por que há almas masculinas em corpos femininos e almas femininas em corpos masculinos. 

- Missa do Galo: um dos contos mais eróticos da literatura brasileira, embora nada aconteça e nada seja dito. 

- Pai contra mãe: um conto sobre o horror da escravidão. 

- A segunda vida: um homem narra a um padre suas lembranças de uma primeira vida e o que fez com sua segunda vida. 

- Singular ocorrência: sobre uma prostituta que deixa “essa vida” ao casar com o homem amado, mas acontece uma singular ocorrência. 

- A causa secreta: um homem exercita seu sadismo queimando ratos (o termo sadismo não é usado por Machado, mas já estava dicionarizado, em francês, em 1834, apenas vinte anos após a morte de Sade).