Contos de terror, de mistério e de morte, Edgar Allan Poe

Contos de terror, de mistério e de morte, Edgar Allan Poe, 1835-1849, tradução Oscar Mendes, Nova Fronteira.


Em janeiro 2021, fiz uma releitura de alguns contos de Poe por conta do Clube de Leitura do qual participo. A releitura me fez apreciar mais e melhor o tipo de escrita do autor. Poe sabe narrar uma história e sabe fazer com que a tensão vá aumentando gradativamente até o ápice do conto que, para ele, sempre se situa no final. Todavia, alguns finais são forçados e alguns são decepcionantes, embora o miolo do conto faça valer a pena a leitura.

Na introdução, diz Oscar Mendes: “Não há conto algum de Poe que seja narrado na terceira pessoa. Ele é quem sempre fala, quem sempre narra ou quem está presente para ouvir a confissão deste ou daquele personagem.”

Para mim, os melhores contos são aqueles em que não há o elemento sobrenatural; aqueles em que a tensão deriva dos terrores mentais dos personagens, ou da crueldade, própria ou alheia. De todo modo, foi curioso conhecer as obsessões do autor: a morte da amada, a morte em geral, a metempsicose, o crime perfeito ou quase perfeito, o duplo. A seguir, brevíssimo resumo de cada conto.

Berenice: o narrador extrai os dentes da morta Berenice.

Morela: o esposo conta que, na hora da morte, Morela dá a luz uma menina que cresce igual a ela, um clone avant la lettre. Quando o narrador vai enterrar a segunda Morela, não há vestígios da primeira. Não fica claro se o narrador fez sexo com a segunda Morela, clone ou filha.

O visionário: um casal de amantes executa um pacto suicida.

O Rei Peste: conto bêbado, muito bizarro; dois bêbados entram em uma sala ocupada por pessoas estranhas e ao final fogem com duas mulheres de lá.

Metzengerstein: conto sobre metempsicose, a transmigração da alma de um corpo para outro; a inimizade entre duas famílias, o jovem de uma família incendeia o estábulo da outra, o proprietário morre e transforma-se em um cavalo que é acolhido pelo jovem; este mesmo cavalo conduzirá o jovem à morte.

Ligeia: a mulher amada e única e inigualável morre (elas sempre são únicas e inigualáveis e marmóreas em Poe); o narrador se casa com uma jovem que morre, mas na longa noite do velório, Ligeia assume o corpo da morta e revive.

A queda da Casa de Usher: o narrador vai passar algumas semanas na mansão a pedido de seu amigo Roderick Usher. Usher e a irmã Madeline sofrem de doenças inexplicadas. Usher acredita que a casa e seu entorno, pântano, musgo, atmosfera, produzem as doenças, “vultos torvos assaltaram o solar”. A irmã morre. Usher decide deixar o corpo em um calabouço durante quinze dias, antes do sepultamento. Existiam “afinidades” mal explicadas entre os irmãos, quem sabe uma sugestão de incesto por parte de Poe. O narrador recorda os quadros de Fuselli, como o famoso “O pesadelo”. Oito dias depois, forte tempestade, Usher vai ao quarto do narrador, a porta se abre violentamente, é Madeline que cai sobre o irmão. O narrador foge em meio ao desmoronamento do solar, engolido pelo pântano.

William Wilson: História de duplos. Desde a infância, na escola, o narrador é perseguido por um indivíduo de mesmo nome e data de nascimento. Por toda a vida, o outro tenta dar conselhos ao narrador, ou revela as atitudes inescrupulosas do primeiro. O outro era o imaginário lado bom do primeiro, na minha interpretação, e não um duplo real.

Eleonora: o narrador promete amar Eleonora por toda a vida e também após a morte dela; todavia encontra novo amor e se casa.

O retrato oval: um pintor faz o retrato da amada e concentra-se tão profundamente no retrato que não percebe que a amada definha e morre.

A máscara da Morte Rubra: acho que é o melhor conto do livro: uma alegoria sobre a peste e a soberba dos ricos. Há muitas histórias sobre “a peste” na literatura. A peste famosa, aquela da Idade Média; a peste sem uma definição específica, uma praga qualquer; a peste como metáfora. Tem o próprio “A peste”, de Camus, tem “A obra em negro”, de Yourcenar, tem “Decameron”, no qual a peste é o motivo para que os personagens fujam da cidade para uma propriedade no campo onde contarão histórias para passar o tempo. E esquecer a peste.

O conto de Poe, “A máscara da Morte Rubra” faz recordar o “Decameron”. A Morte Rubra é uma praga terrível que está se espalhando. Ela mata em meia hora, todo o processo dura meia hora; essa devastação imediata é comum, hoje, no cinema: as epidemias cinematográficas acontecem em alta velocidade.

O príncipe Próspero retira-se para uma abadia fortificada, com um milheiro de cavalheiros e damas, e lá evitava-se qualquer contato com o mundo exterior. Levava-se uma vida de jogos, diversões, vinho e música.

Na abadia, havia sete salões de festa, cada um com um tipo de decoração e uma cor específica. O salão negro com janelas vermelhas continha um relógio de ébano; o salão e o relógio assustava os convidados do príncipe. No sexto mês de isolamento ocorria um grande baile nos sete salões.

Durante o baile, surge um vulto com máscara de cadáver e envolto em mortalhas. O vulto desfila pelos sete salões e termina seu passeio no salão negro. Era a própria Morte Rubra que não respeitara o isolamento e a festa, “como um ladrão noturno”. Os foliões foram morrendo, o primeiro foi o príncipe.

“E o ilimitado poder da Treva, da Ruína e da Morte Rubra dominou tudo.”

Este conto tão atual de Poe retrata fidedignamente o comportamento dos ricos e poderosos do mundo; eles se acham acima das moléstias dos outros mortais e fazem de tudo para escapar a sina, para fugir da peste, para passar por cima dos cadáveres e ser libertados da contaminação.

O coração denunciador: Calvino considera este conto a obra-prima de Poe. É um conto curto e que me fez pensar em “Crime e castigo”, de Dostoiévski (1866). No conto de Poe, o personagem decide matar um velho sem motivo aparente: “Ele nunca me insultara. Ele nunca me fizera mal. Pelo ouro dele eu não nutria desejo.” O assassino declara que não está louco e que, talvez, tenha sido o olho do velho, um olho de abutre, que tenha despertado nele o desejo de matar. Não se revela qual a relação entre o velho e o assassino, talvez um parente ou apenas um criado. O homem entra no quarto do velho todas as noites, planejando o crime. Na noite decisiva, no escuro absoluto, sabe que o velho está acordado, ouve as batidas aceleradas do coração do velho, o velho sabe que chegou sua hora. Após cometer o crime e desmembrar o corpo, o assassino coloca os pedaços sob as tábuas do quarto. No dia seguinte, recebe a visita de policiais, houve uma denúncia de um grito na noite. O assassino está calmo e os policiais de nada desconfiam. Todavia, o assassino vai gradativamente se desesperando porque imagina continuar a ouvir as batidas do coração do velho sob o assoalho. Os policiais não ouvem nada. “Miseráveis!, guinchei, parem de disfarçar! Eu confesso o crime! Arranquem as tábuas! Aqui, aqui! – são as batidas do horrendo coração dele!”

O gato preto: mesmo tipo de conto do anterior, o criminoso se revela, mas involuntariamente. Na narrativa, ele exerce toda a crueldade contra um gato preto.

O poço e o pêndulo: A construção do conto é muito bem executada, cria um aumento constante da tensão, mas o final é do tipo ex-machina, o que sempre me desagrada.

Ex-machina: uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra ficcional. O termo refere-se ao surgimento de uma personagem, artefato ou evento inesperado, artificial ou improvável, introduzido repentinamente em uma trama ficcional com o objetivo de resolver uma situação ou simplificar um enredo. O uso de Deus ex machina surgiu no teatro na Grécia Antiga, no qual muitas peças terminavam com uma divindade surgindo metaforicamente no palco, após o ator correspondente ser descido por um guindaste até o local da encenação, para finalizar as histórias contadas até então.

O narrador foi condenado à morte pela Inquisição, em Toledo, Espanha. Não saberemos qual o crime cometido pelo narrador. Na completa escuridão do calabouço, o narrador tenta descobrir o tamanho e a forma do ambiente. Descobre que há um poço no centro da prisão, não caiu nele por acaso. O objetivo é a tortura psicológica, não a morte imediata do condenado. Se caísse no poço, não morreria, ficaria ferido e sofrendo por dias. Como não caiu no poço, acorda amarrado a um catre e vê que um pêndulo com uma lâmina se aproxima lentamente de seu corpo. Consegue se libertar da ameaça do pêndulo. As paredes, de metal e quentes, começam a comprimi-lo de modo a que caia no poço. É salvo de última hora por tropas francesas.

Uma história das Ragged Mountains: Em 1825, August Bedloe é uma pessoa permanentemente doente, não se sabe bem de quê. Ele utiliza morfina para melhorar seu bem-estar. Um dia, caminhando pelas montanhas, enfrenta um nevoeiro e se vê, de repente, em uma cidade da Índia. Ele se junta aos soldados britânicos que enfrentavam uma rebelião e morre com uma flecha na têmpora. Seu espírito faz o caminho de volta às montanhas e ele retorna para sua cidade. O seu médico particular lhe mostra, então, um retrato de um amigo do médico que morreu em 1780 naquela batalha em Benares, na Índia. Chamava-se Oldeb, o amigo. Possivelmente, Bedloe era uma reencarnação de Oldeb, ou Bedloe viajou no tempo e participou como observador da batalha em que Oldeb morreu. De todo modo, Bedloe morre uma semana depois por acúmulo de sangue na cabeça e erro no tratamento.

O enterramento prematuro: um homem sofre de catalepsia e teme ser enterrado vivo.

O caixão quadrangular: em uma viagem de navio, um homem transporta o corpo da esposa morta em uma caixa, sem que os outros passageiros suspeitem.

O demônio da perversidade: o narrador mata um homem e herda a herança, é um crime perfeito, mas ele não resiste e se revela.

Revelação mesmeriana: Franz Mesmer foi um charlatão que acreditava em um tal de magnetismo animal, onde alguém poderia comandar e curar outras pessoas com a força de seu próprio magnetismo; no conto, o narrador mesmeriza um moribundo e faz perguntas a ele.

O caso do Sr. Valdemar: outro conto sobre mesmerização; o narrador mesmeriza um moribundo até a hora da morte e mantém o indivíduo sob magnetismo mesmo após a morte; o cadáver não se decompõe e ainda responde perguntas por sete meses.

O barril de amontillado: o narrador leva um inimigo para sua adega e o empareda; o crime nunca é descoberto.

Hop-Frog: um rei e seus ministros recebem o devido castigo por maltratar os anões da corte.