Contos de terror, de mistério e de morte, Edgar Allan Poe, 1835-1849, tradução Oscar Mendes, Nova Fronteira.
Na introdução, diz Oscar Mendes: “Não há conto algum de Poe que seja narrado na terceira pessoa. Ele é quem sempre fala, quem sempre narra ou quem está presente para ouvir a confissão deste ou daquele personagem.”
Para mim, os melhores contos são aqueles em que não há o elemento sobrenatural; aqueles em que a tensão deriva dos terrores mentais dos personagens, ou da crueldade, própria ou alheia. De todo modo, foi curioso conhecer as obsessões do autor: a morte da amada, a morte em geral, a metempsicose, o crime perfeito ou quase perfeito, o duplo. A seguir, brevíssimo resumo de cada conto.
Berenice: o narrador
extrai os dentes da morta Berenice.
Morela: o esposo conta
que, na hora da morte, Morela dá a luz uma menina que cresce igual a ela, um
clone avant la lettre. Quando o narrador vai enterrar a segunda Morela, não há
vestígios da primeira. Não fica claro se o narrador fez sexo com a segunda
Morela, clone ou filha.
O
visionário:
um casal de amantes executa um pacto suicida.
O
Rei Peste:
conto bêbado, muito bizarro; dois bêbados entram em uma sala ocupada por
pessoas estranhas e ao final fogem com duas mulheres de lá.
Metzengerstein: conto sobre metempsicose,
a transmigração da alma de um corpo para outro; a inimizade entre duas
famílias, o jovem de uma família incendeia o estábulo da outra, o proprietário
morre e transforma-se em um cavalo que é acolhido pelo jovem; este mesmo cavalo
conduzirá o jovem à morte.
Ligeia: a mulher amada e
única e inigualável morre (elas sempre são únicas e inigualáveis e marmóreas em
Poe); o narrador se casa com uma jovem que morre, mas na longa noite do
velório, Ligeia assume o corpo da morta e revive.
A
queda da Casa de Usher: o narrador vai passar algumas semanas na mansão a
pedido de seu amigo Roderick Usher. Usher e a irmã Madeline sofrem de doenças
inexplicadas. Usher acredita que a casa e seu entorno, pântano, musgo,
atmosfera, produzem as doenças, “vultos torvos assaltaram o solar”. A irmã
morre. Usher decide deixar o corpo em um calabouço durante quinze dias, antes do
sepultamento. Existiam “afinidades” mal explicadas entre os irmãos, quem sabe
uma sugestão de incesto por parte de Poe. O narrador recorda os quadros de
Fuselli, como o famoso “O pesadelo”. Oito dias depois, forte tempestade, Usher
vai ao quarto do narrador, a porta se abre violentamente, é Madeline que cai
sobre o irmão. O narrador foge em meio ao desmoronamento do solar, engolido
pelo pântano.
William
Wilson:
História de duplos. Desde a infância, na escola, o narrador é perseguido por um
indivíduo de mesmo nome e data de nascimento. Por toda a vida, o outro tenta
dar conselhos ao narrador, ou revela as atitudes inescrupulosas do primeiro. O
outro era o imaginário lado bom do primeiro, na minha interpretação, e não um
duplo real.
Eleonora: o narrador
promete amar Eleonora por toda a vida e também após a morte dela; todavia
encontra novo amor e se casa.
O
retrato oval:
um pintor faz o retrato da amada e concentra-se tão profundamente no retrato
que não percebe que a amada definha e morre.
A
máscara da Morte Rubra: acho que é o melhor conto do livro: uma alegoria
sobre a peste e a soberba dos ricos. Há muitas histórias sobre “a peste” na
literatura. A peste famosa, aquela da Idade Média; a peste sem uma definição
específica, uma praga qualquer; a peste como metáfora. Tem o próprio “A peste”,
de Camus, tem “A obra em negro”, de Yourcenar, tem “Decameron”, no qual a peste
é o motivo para que os personagens fujam da cidade para uma propriedade no
campo onde contarão histórias para passar o tempo. E esquecer a peste.
O
conto de Poe, “A máscara da Morte Rubra” faz recordar o “Decameron”. A Morte
Rubra é uma praga terrível que está se espalhando. Ela mata em meia hora, todo
o processo dura meia hora; essa devastação imediata é comum, hoje, no cinema:
as epidemias cinematográficas acontecem em alta velocidade.
O
príncipe Próspero retira-se para uma abadia fortificada, com um milheiro de
cavalheiros e damas, e lá evitava-se qualquer contato com o mundo exterior.
Levava-se uma vida de jogos, diversões, vinho e música.
Na
abadia, havia sete salões de festa, cada um com um tipo de decoração e uma cor
específica. O salão negro com janelas vermelhas continha um relógio de ébano; o
salão e o relógio assustava os convidados do príncipe. No sexto mês de
isolamento ocorria um grande baile nos sete salões.
Durante
o baile, surge um vulto com máscara de cadáver e envolto em mortalhas. O vulto
desfila pelos sete salões e termina seu passeio no salão negro. Era a própria
Morte Rubra que não respeitara o isolamento e a festa, “como um ladrão
noturno”. Os foliões foram morrendo, o primeiro foi o príncipe.
“E
o ilimitado poder da Treva, da Ruína e da Morte Rubra dominou tudo.”
Este
conto tão atual de Poe retrata fidedignamente o comportamento dos ricos e
poderosos do mundo; eles se acham acima das moléstias dos outros mortais e
fazem de tudo para escapar a sina, para fugir da peste, para passar por cima
dos cadáveres e ser libertados da contaminação.
O
coração denunciador:
Calvino considera este conto a obra-prima de Poe. É um conto curto e que me fez
pensar em “Crime e castigo”, de Dostoiévski (1866). No conto de Poe, o
personagem decide matar um velho sem motivo aparente: “Ele nunca me insultara.
Ele nunca me fizera mal. Pelo ouro dele eu não nutria desejo.” O assassino
declara que não está louco e que, talvez, tenha sido o olho do velho, um olho
de abutre, que tenha despertado nele o desejo de matar. Não se revela qual a
relação entre o velho e o assassino, talvez um parente ou apenas um criado. O
homem entra no quarto do velho todas as noites, planejando o crime. Na noite
decisiva, no escuro absoluto, sabe que o velho está acordado, ouve as batidas
aceleradas do coração do velho, o velho sabe que chegou sua hora. Após cometer
o crime e desmembrar o corpo, o assassino coloca os pedaços sob as tábuas do
quarto. No dia seguinte, recebe a visita de policiais, houve uma denúncia de um
grito na noite. O assassino está calmo e os policiais de nada desconfiam.
Todavia, o assassino vai gradativamente se desesperando porque imagina
continuar a ouvir as batidas do coração do velho sob o assoalho. Os policiais
não ouvem nada. “Miseráveis!, guinchei, parem de disfarçar! Eu confesso o
crime! Arranquem as tábuas! Aqui, aqui! – são as batidas do horrendo coração
dele!”
O
gato preto:
mesmo tipo de conto do anterior, o criminoso se revela, mas involuntariamente.
Na narrativa, ele exerce toda a crueldade contra um gato preto.
O
poço e o pêndulo:
A construção do conto é muito bem executada, cria um aumento constante da
tensão, mas o final é do tipo ex-machina, o que sempre me desagrada.
“Ex-machina:
uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra
ficcional. O termo refere-se ao surgimento de uma personagem, artefato ou
evento inesperado, artificial ou improvável, introduzido repentinamente em uma
trama ficcional com o objetivo de resolver uma situação ou simplificar um
enredo. O uso de Deus ex machina surgiu no teatro na Grécia Antiga, no qual
muitas peças terminavam com uma divindade surgindo metaforicamente no palco,
após o ator correspondente ser descido por um guindaste até o local da
encenação, para finalizar as histórias contadas até então.”
O
narrador foi condenado à morte pela Inquisição, em Toledo, Espanha. Não
saberemos qual o crime cometido pelo narrador. Na completa escuridão do calabouço,
o narrador tenta descobrir o tamanho e a forma do ambiente. Descobre que há um
poço no centro da prisão, não caiu nele por acaso. O objetivo é a tortura
psicológica, não a morte imediata do condenado. Se caísse no poço, não
morreria, ficaria ferido e sofrendo por dias. Como não caiu no poço, acorda
amarrado a um catre e vê que um pêndulo com uma lâmina se aproxima lentamente
de seu corpo. Consegue se libertar da ameaça do pêndulo. As paredes, de metal e
quentes, começam a comprimi-lo de modo a que caia no poço. É salvo de última
hora por tropas francesas.
Uma
história das Ragged Mountains: Em 1825, August Bedloe é uma pessoa permanentemente
doente, não se sabe bem de quê. Ele utiliza morfina para melhorar seu
bem-estar. Um dia, caminhando pelas montanhas, enfrenta um nevoeiro e se vê, de
repente, em uma cidade da Índia. Ele se junta aos soldados britânicos que
enfrentavam uma rebelião e morre com uma flecha na têmpora. Seu espírito faz o
caminho de volta às montanhas e ele retorna para sua cidade. O seu médico
particular lhe mostra, então, um retrato de um amigo do médico que morreu em
1780 naquela batalha em Benares, na Índia. Chamava-se Oldeb, o amigo.
Possivelmente, Bedloe era uma reencarnação de Oldeb, ou Bedloe viajou no tempo
e participou como observador da batalha em que Oldeb morreu. De todo modo,
Bedloe morre uma semana depois por acúmulo de sangue na cabeça e erro no
tratamento.
O
enterramento prematuro: um homem sofre de catalepsia e teme ser enterrado
vivo.
O
caixão quadrangular:
em uma viagem de navio, um homem transporta o corpo da esposa morta em uma
caixa, sem que os outros passageiros suspeitem.
O
demônio da perversidade: o narrador mata um homem e herda a herança, é um
crime perfeito, mas ele não resiste e se revela.
Revelação
mesmeriana:
Franz Mesmer foi um charlatão que acreditava em um tal de magnetismo animal,
onde alguém poderia comandar e curar outras pessoas com a força de seu próprio
magnetismo; no conto, o narrador mesmeriza um moribundo e faz perguntas a ele.
O
caso do Sr. Valdemar:
outro conto sobre mesmerização; o narrador mesmeriza um moribundo até a hora da
morte e mantém o indivíduo sob magnetismo mesmo após a morte; o cadáver não se
decompõe e ainda responde perguntas por sete meses.
O
barril de amontillado:
o narrador leva um inimigo para sua adega e o empareda; o crime nunca é
descoberto.
Hop-Frog: um rei e seus
ministros recebem o devido castigo por maltratar os anões da corte.