Bartleby, o escriturário, Herman Melville, 1853

Bartleby, o escriturário, Herman Melville, 1853, 95 páginas, tradução de Luís de Lima, Rocco. Início: 24/01/2021 – Fim: 24/01/2021. Nota 5 (escala de 1 a 5).



Aviso de spoiler: vou escrever sobre todo o enredo do livro, continue por sua conta e risco. 

Eu já havia lido Bartleby na edição da Cosac com tradução de Irene Hirsch, e em inglês. Agora li essa edição da Rocco com tradução de Luís de Lima. 

Como já anotei antes, obra-prima. Um conto excelente, triste, melancólico, desesperado. 

A questão da tradução da frase principal de Bartleby continua. Na maior parte das vezes, Bartleby diz, no original, “I would prefer not to”, ou seja “eu preferiria não fazer isso”. Poucas vezes, mais afirmativo, ele diz “I prefer not to”, “eu prefiro não fazer isso”. Luís de Lima não mantém essa nuance e traduz somente como “Prefiro não fazer”. Perde-se a delicadeza da frase mais usada por Bartleby. 

Nesta segunda releitura, além de se reafirmar como obra-prima, para mim, destacaram-se os seguintes aspectos: Bartleby como duplo do advogado e Bartleby como fantasma. Penso que Melville dá a oportunidade ao leitor de, até mesmo, acreditar que Bartleby não existia, sendo uma criação da mente desesperada do advogado. 

Veja-se o resumo e comentários. 

O narrador se apresenta como um advogado sem ambições e um homem correto. Por coincidência, perceberemos que Bartleby é, também, honesto e sem ambições. O advogado é um homem que sente simpatia (ou empatia) mesmo por seres humanos muito imperfeitos, como seus funcionários. O advogado é maleável demais, não consegue ser firme. 

Os muros ocupam lugar relevante na história: o muro branca, de um lado do escritório, a muro preto, de outro, o muro que se vê pela janela de Bartleby, outra, o muro da prisão e a Wall Street, subtítulo do livro, “Uma história de Wall Street”. 

Bartleby é apresentado como um jovem perdido. O advogado coloca Bartleby dentro de sua sala, e não junto com os outros funcionários. Unidos e separados, ao mesmo tempo, porque um biombo os separa. Bartleby era eficiente, no início, mas somente isso não agrada ao advogado, porque, para o empregador, além de sermos eficientes, é necessário que a gente goste do trabalho. Para mim, isso remete ao mito de Sísifo: nós temos que carregar a pedra no esforço constante e repetitivo e, além, devemos ser forçado a gostar da repetição, gostar da pedra. 

Frente às recusas de Bartleby, “preferiria não fazer”, levanta-se a hipótese de maluco. A alimentação de Bartleby, mínima, não o sustentaria. Levanta-se a hipótese de Bartleby ser um fantasma, uma assombração, uma alma penada. A recusa ao mundo do trabalho só pode nos conduzir ao asilo (de loucos ou de pobres) ou à prisão. 

O advogado descobre que Bartleby passou a morar no escritório. Todo o tempo de Bartleby é passado naquele pequeno e isolado ambiente comercial. É domingo: a imensa solidão e desamparo do escriturário. O advogado imagina “uma perturbação mental incurável”. Bartleby anuncia “desisti de fazer cópias”; desistiu de tudo, na verdade; torna-se um destroço de naufrágio no oceano. 

Apesar de suas recusas e de passar a vida a mirar a “parede sinistra”, Bartleby mantém uma estranha ascendência sobre o advogado. Este não consegue expulsar Bartleby, não tem força e firmeza para isso; então expulsa a si mesmo: muda de escritório. O último objeto a ser retirado é o biombo. Bartleby fica só. O biombo como a capa de um livro indecifrável, ou a carapaça de um bicho mole e pálido. Desprotegido, desamparado. 

Bartleby não deixa o prédio do antigo empregador e incomoda os inquilinos: vive sentado no corrimão e dorme no vestíbulo. O prédio é a última ligação de Bartleby com algo humano, o ex-patrão, o antigo escritório. O advogado tenta encontrar nova ocupação para o escriturário, mas nada ele aceita, apesar de repetir “não sou exigente”. 

Bartleby não sai do prédio e é preso, sem resistir. O advogado o visita na prisão: “Nada tenho a lhe dizer” e “Sei onde estou”, são as frases de Bartleby, e vai contemplar o muro da prisão. Dias depois, nova visita do advogado; Bartleby deitado ao pé do muro, em posição fetal, morto. 

O advogado relata, sem assegurar a verdade do fato, que Bartleby trabalhou na seção de Cartas Mortas dos correios. Cartas mortas, extraviadas, cartas que apressam a morte. Desesperança. Fim.