de olhos largamente abertos

na primeira página do jornal se-espremer-sai-sangue
if you squeeze out, blood drip
o bandido morto pela polícia
se foi morto pela polícia deve ser bandido
embora na “época aqui descrita” saramago
não se possa ter a completa certeza

na primeira página do jornal
o bandido morto na calçada
de olhos abertos na foto colorida
de olhos largamente abertos

o morto de olhos abertos
quando a morte é o escuro
a morte é o não-ver
o morto de olhos abertos
parece um cego de saramago
que abre os olhos mais e mais
na tentativa de ver
mortos e cegos que querem ver

o bandido morto na calçada
uma perna estirada, a esquerda
uma perna meio dobrada, a direita
um braço ao longo do corpo, esquerdo
um braço semi-estendido, o direito
como um espadachim
a mão como se ainda segurasse uma arma
invisível
a mão como se segurasse uma arma invisível

pela calçada e pelo corpo
gotas e gotas e linhas vermelhas de sangue
como um jackson pollock amador
dripping
linhas e gotas lançadas da perna
em direção ao meio-fio
linhas e gotas lançadas sobre a camisa
e o braço em direção ao nada

os olhos bem abertos

o bandido morto caiu entre duas paredes
uma quina, um ângulo reto
entre a parede e uma saliência
a cabeça meio jogada para trás
de olhos largamente abertos

agora morto
pollock de subúrbio província
torna-se manequim

a foto colorida na capa do jornal
a foto em preto e branco e cinza
nas páginas internas

divergem

em uma delas apenas o bandido
em outra, uma arma longa no cós da calça
colocada de forma incômoda
como meninos que brincam de polícia

de olhos abertos
na foto, real e ficção