Sinfônica de Montreal em São Paulo


FOLHA DE SÃO PAULO - CRÍTICA - CONCERTO

Sinfônica de Montreal mostra os dois lados do romantismo

OBRAS COMO A SINFONIA Nº 4, DE BRAHMS, JUSTIFICAM A EXISTÊNCIA DE ORQUESTRAS, MAESTROS E DE UM PÚBLICO ATENTO COMO O DA SALA SÃO PAULO LOTADA

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Bastaram quatro compassos: a primeira resolução do dueto de trompas, na "Abertura" de "Tannhäuser", de Wagner (1813-1883), já anunciava que a Sinfônica de Montreal trazia consigo a unidade entre sons e afetos que marca as grandes orquestras.

Regida por Kent Nagano --seu titular desde 2006--, o concerto de terça-feira foi a abertura oficial da temporada da Sociedade de Cultura Artística.

Logo depois das trompas, chamou a atenção o som aberto dos violoncelos (centralizados no palco, em frente ao maestro) que --por algum caminho que não consta dos manuais de acústica-- chegava a envolver os contrabaixos (situados longe, no canto direito).

Nagano é rigoroso com o ritmo --e também com a dinâmica, as gradações entre leveza e força--, mas também capricha na sustentação prolongada dos fortes extremos, sem perder energia, com as cordas audíveis mesmo no meio da metaleira.

Seguiu-se o "Concerto nº 2" para piano e orquestra de Franz Liszt (1811-1886), solado pelo ucraniano Serhiy Salov. Ele tem um som compacto, tocou sempre muito junto com a orquestra, manteve o tempo e mostrou todas as notas, o que --em Liszt-- já é quase demasiado.

Mas tanta perfeição não chegou a tirar o foco de Nagano e da orquestra (com destaque para o violoncelista Brian Manker): cada resposta do grupo saía delicadamente da ressonância do piano, com contrastes de timbre, tudo redondo e bonito.

Liszt e Wagner estão juntos a explicar por que o romantismo desenvolveu-se na direção da grandeza, da grandiosidade, do futuro que seria escrito por Bruckner, Mahler e Strauss.

A história, porém, não tem assim tanto nexo: havia também Brahms (1833-1897) a caminhar em outro sentido --um sentido só dele, aliás.

A "Sinfonia n. 4" (1885), sua última, trata a forma de um jeito que ainda hoje parece novo. Seu tempo é o do desenvolvimento perene, muito mais próximo da filosofia do século 20 do que de Schopenhauer (1788-1860), o ídolo de Wagner.

O som da orquestra era outro. Nagano escolheu um andamento tranquilo no primeiro movimento, talvez para não deixar passar nenhum detalhe de seus 440 compassos.

No "Andante", ele parecia procurar alguma coisa a mais, como se não estivesse plenamente satisfeito com o som das cordas, algo que os músicos tentavam fazer e nós só imaginávamos como seria.

O ponto culminante foi o "Allegro" final, integralmente construído sobre a linha de baixo da "Cantata" BWV 150 de Bach (1685-1750).

Obras assim são feitas para desdobrarem-se através dos tempos. São em si mesmas a justificativa para a existência de orquestras, maestros e de um público atento como o que lotou anteontem a Sala São Paulo.

ORQUESTRA SINFÔNICA DE MONTREAL, REGIDA POR KENT NAGANO
AVALIAÇÃO ótimo