Leão Serva - Mais garagens, mais trânsito
Tramita na CÂMARA Municipal de São Paulo, desde maio, um projeto de lei da Prefeitura que prevê a construção de dezenas de prédios de garagens na cidade, em parceria com a iniciativa privada.
A justificativa da proposta é a de que faltam locais de estacionamento na cidade e seria preciso construir garagens verticais para suprir essa carência. A revista "Veja SP" (em 4/12) publicou pesquisa para medir o que chamou de "déficit" de vagas e chegou ao impressionante número de 125 mil lugares.
Investir em estacionamentos é um erro trágico: quanto mais vagas, mais congestionamento.
Fora a gasolina barata (como faz hoje o governo federal), o maior incentivo ao uso do carro particular é a oferta de garagens gratuitas ou baratas, como ensinou o vigoroso estudo de Donald Shoup chamado "The High Cost of Free Parking" (O Alto Custo do Estacionamento Grátis, de 1997).
O senso comum pensa que carro parado está fora do trânsito. Mas o urbanista deve lembrar que para chegar ao estacionamento, o carro saiu de casa, aumentando a circulação de veículos.
Por isso, o projeto enviado pela Prefeitura à Câmara contradiz frontalmente a própria diretriz da administração municipal, o incentivo ao transporte público em lugar do carro particular.
Parcerias público-privadas, como o nome diz, exigem sempre algum investimento estatal. E qualquer centavo gasto em garagens terá melhor destino em habitação. É perverso imaginar dinheiro e espaço públicos investidos em abrigos para carros de afortunados quando a cidade tem imensa carência de prédios residenciais para pobres.
Em 28 de abril, poucos dias antes da Prefeitura mandar o projeto de lei ao Legislativo, dois urbanistas da iniciativa privada (Marcos de Barros Lisboa e Philip Yang, empresário de petróleo e do instituto Urbem) se anteciparam ao conteúdo da proposta em artigo na Folha. Para eles, as vagas de rua deveriam ser eliminadas, as calçadas alargadas e 40 mil espaços serem criados em prédios-garagens.
Eliminar estacionamento junto às calçadas, as "zonas azuis", é consenso entre os que combatem a prioridade ao automóvel nas cidades. Mas essa medida não pode ser compensada com vagas em outro formato: para desincentivar o carro, é necessário eliminá-las, e ponto!
Os espaços nas ruas devem ser usados para aumentar calçadas e ciclovias, como fez a cidade de Buenos Aires ao criar cerca de 400 km de faixas para bicicletas.
Alguém dirá: mas as garagens terão um preço bem elevado, para evitar que muita gente as utilize. Não se deixe enganar: se forem construídas, serão usadas. Hoje os estacionamentos na região central da cidade são caros porque são poucos. Multiplicados, seu preço cairia (conforme a lei da oferta e procura) até lotar as vagas.
As manifestações de junho alteraram o plano de governo do prefeito Haddad, o projeto de 200 km de faixas de ônibus em quatro anos foi antecipado para o primeiro ano. Naquele momento, o projeto dos edifícios para carros já estava na Câmara. É possível que tenha sido uma sugestão da iniciativa privada que a administração adotou sem analisar direito. Agora, diante da nova prioridade ao transporte público, convém retirar a proposta, antes que venha a ser aprovada.