Antígona, Sófocles

Antígona, Sófocles, século V a.C., 90 páginas, tradução de Mário da Gama Kury, Zahar. Lido em 27/05/2021.



Antígona é uma das tragédias que mais rende discussões e pontos de vista. Por isto, tão fascinante. Em Antígona, todos estão errados e todos estão certos – ou todas as posições geram conflitos. 

Após a morte de Édipo em Colono, Tebas entra em uma guerra civil. A guerra deriva do desentendimento entre Etéocles e Polinices, filhos de Édipo. Eles haviam concordado em dividir o poder na cidade: cada um reinaria um ano. Mas Etéocles recusou-se a devolver o trono a Polinices. Este procurou aliados em outras cidades e formou um exército para tomar o poder. 

Na batalha pela cidade, Polinices e Etéocles se matam mutuamente, e os deuses protegem a cidade, livrando-a dos inimigos. 

Creonte, irmão de Jocasta e tio dos irmãos mortos, frente ao vácuo de poder, assume o trono. Nós estamos muito distantes da cultura grega da época, mas devemos perceber que Creonte é um tirano no sentido grego: o tirano é alguém que assume o poder em situações excepcionais, mas que não deixa de lado a democracia e que pretende conduzir o governo para a volta à democracia (democracia grega, diferente do nosso entendimento). 

Creonte assume o poder e decide que Etéocles terá as honras fúnebres – pois defendia a cidade – enquanto o cadáver de Polinices será deixado exposto às aves e aos animais – visto que este tencionava destruir a cidade. 

Antígona, irmã dos dois mortos, decide que não vai se submeter às ordens de Creonte. Para ela, há uma ordenação maior, divina, e é necessário dar tratamento digno aos mortos. 

Creonte convoca os anciãos, como se fossem senadores, e comunica sua decisão. De certo modo, Creonte respeita um rito democrático. Todavia, ele desrespeita a cultura: a humanidade costuma honrar os corpos de seus mortos, independentemente de ordens divinas. 

Antígona desrespeita a lei civil, que considera menor que a lei divina (ou a cultura). Ela não questiona a legitimidade do poder de Creonte, mas se pode pensar que sub-repticiamente ela também desafia o poder do autoproclamado tirano-rei. 

O coro de anciãos parece ter medo de desafiar o novo rei. Um guarda, do corpo de guardas que foi encarregado de vigiar e garantir que o cadáver de Polinices não fosse enterrado, tem muito medo da ira do rei, e demonstra isso quando traz más notícias. 

Antígona exerceu honras fúnebres, incompletas até, ao corpo do irmão. Foi presa e levada para Creonte. Este a condena a uma morte indireta: ordena que seja aprisionada em uma caverna, mas com alguma comida. O filho de Creonte, Hêmon, namorado de Antígona, tenta convencer o pai do erro, mostrando que a população não concorda com a falta de respeito aos mortos e com a prisão de Antígona. Creonte não cede. 

Mais tarde, interpelado pelo adivinho Tirésias e aconselhado pelo coro de anciãos, decide reverter as ordens e enterrar Polinices e libertar Antígona. Mas é tarde: Antígona se matou na caverna. Creonte vai até lá e encontra o filho, Hêmon, que ataca o pai. Não consegue ferir Creonte, mas se mata, lançando-se sobre sua espada. Para completar a punição (dos deuses?) a Creonte, sua esposa também se mata ao saber da morte do filho. 

Observa-se como há riqueza de elementos nesta tragédia. Posso desafiar as leis civis em nome de crenças religiosas? E em nome da dignidade humana? E se as leis civis foram feitas de forma excepcional, em um período não de todo democrático? Polinices era um traidor? Etéocles foi um traidor? A maldição da família de Édipo foi responsável por todas as crises de Tebas? 

Muito foi escrito e pensado sobre Antígona e continuará sendo.