Capítulo 17 – Rua dos Poços

Capítulo 17 – Rua dos Poços

Ruas de cidades antigas são estreitas, tortuosas, e as casas tendem a possuir de três a seis pavimentos. É essa, em geral, a evolução dos aglomerados urbanos. O estúdio de Ordep fica em uma rua assim, na parte medieval da cidade. O nome antigo da rua, Rua dos Poços, derivava de um poço de água que existia na esquina perto da casa dele e um outro poço mais distante. Hoje, ninguém nem nota o lugar dos poços – há somente uma placa que marca o local, os poços foram lacrados faz séculos. As ruas do entorno têm nome de santos e santas, embora quase ninguém mais frequente as igrejas. Uma delas, a Igreja de Santa Ana, foi transformada em galeria de arte municipal, deixou de ser solo sagrado.

Sendo uma rua estreita de casas altas, os habitantes não dispõem de uma paisagem. Ordep, que ama seu estúdio, só consegue vislumbrar uma nesga de céu; e a paisagem que se estende da varanda a sua frente e para os lados é constituída pelas janelas e varandas dos vizinhos. Os habitantes da rua flutuam entre a aceitação e a recusa ao olhar dos outros. A maioria deles, inclusive Ordep, tenta não olhar para as casas dos outros, mas o olhar se perde, vez ou outra, e o olho penetra os ambientes. Em outros momentos, vizinhos se olham e se cumprimentam. Em outros momentos, as cortinas se fecham.

Há o casal jovem que gosta de fazer as refeições na varanda. O homem barrigudo, quarenta e poucos anos, peludo, que gosta de fumar, sem camisa, na mesinha da varanda. Raramente, a mulher dele se senta para lhe fazer companhia ou conversar – isto faz com que Ordep imagine um casamento que se arrasta. Outro homem, não possui varanda, abre a janela para fumar e olhar para cima, para a nesga de céu, todas as manhãs. O casal maduro que vive se beijando e agarrando – parecem casados de muitos anos, mas passam os dias arrulhando. O rapaz que passa horas e horas, a vida toda parece, no computador e nem olha pela janela, fones de ouvido.

Visto pelos vizinhos, Ordep é um solitário tranquilo, que senta na poltrona perto da varanda para ler, e que senta à mesa para comer de manhã, antes de sair, e de noite. De manhã, com café e um copo de suco de laranja de caixa. De noite, com um copo de vinho. Depois da ceia e em outros momentos livres em que está em casa, vê-se que usa a mesa para fazer anotações à mão, ou no computador portátil. Da janela dos vizinhos, dá para ver pedaço de uma estante que semelha infinita porque entra pelo apartamento até onde a vista alcança.

Vistos, todos, por um drone com câmera que percorresse a Rua dos Poços, pareceriam todos solitários, desamparados, intranquilos.