É cedo para tirar conclusões sobre o que causou o acidente com o Costa Concordia. Neste momento, interessa a muita gente lançar o máximo de culpa sobre o comandante. De todo modo, se apenas um quinto das histórias que agora circulam forem, de fato, verdadeiras, o excesso de autoconfiança será um dos ingredientes da tragédia.
Não chega a ser uma surpresa. Acreditar em demasia em si mesmo é uma forma de autoengano, e uma definição possível de desastre é: intrusão violenta e dolorosa da realidade sobre nossas ilusões. Alimentados por doses maciças de autoconfiança, os responsáveis pelo cruzeiro julgavam navegar por águas seguras, até serem desmentidos por uma pedra.
Em seu novo livro sobre o autoengano, o biólogo Robert Trivers mostra como acidentes aéreos (e marítimos, podemos acrescentar), em geral, resultam de múltiplas causas, uma das quais costuma ser as ficções que os principais atores impõem a si mesmos. O melhor remédio para prevenir essas tragédias é aperfeiçoar rotinas que promovam a paranoia e o ceticismo, solapando o faz de conta em que amiúde nos exilamos.
Um caso notável é o da Korean Air. Entre 1988 e 1998, o índice de acidentes da empresa era 17 vezes maior que a média dos EUA, o que levou o Exército norte-americano a proibir seus soldados de viajar pela Korean. O Canadá considerava até banir a aerolinha de seus céus.
Consultores externos foram chamados e uma de suas principais conclusões foi a de que o profundo respeito à hierarquia cultivado pelos coreanos impedia os copilotos de questionar as ações dos comandantes, os quais chegavam a esbofetear seus auxiliares por erros menores. Os consultores recomendaram que a Korean reforçasse a independência dos copilotos e os incentivasse a ser assertivos com seus chefes. Desde a intervenção, não houve acidentes.
Um pouco de insubordinação faz bem às instituições.