"Era o momento mais feliz da minha vida, mas eu não sabia. Se soubesse, se tivesse dado o devido valor a essa dádiva, tudo teria acontecido de outra maneira? Sim, se eu tivesse reconhecido aquele momento de felicidade perfeita, teria agarrado com força e nunca deixaria que me escapasse. Levou alguns segundos, talvez, para aquele estado luminoso tomar conta de mim, mergulhando-me na paz mais profunda, mas ele me pareceu ter durado horas, até mesmo anos. Naquele momento, na tarde de segunda-feira, 26 de maio de 1975, em torno de quinze para as três, assim como nos sentíamos além do pecado e da culpa, o mundo todo parecia ter sido liberado da gravidade e do tempo. Beijando o ombro de Füsun, já úmido com o aquecimento do nosso amor, eu a penetrei delicadamente por trás, e enquanto mordia de leve sua orelha, seu brinco deve ter se soltado e, pelo que nos pareceu, pairado em pleno ar antes de cair por vontade própria. Nosso prazer era tão profundo que continuamos a nos beijar, ignorando a queda do brinco, cuja forma eu nem sequer tinha percebido."
Orhan Pamuk - O Museu da Inocência.