A casa das belas adormecidas, Yasunari Kawabata, 1961, 124 páginas, tradução de Meiko Shimon, Estação Liberdade.
Uma casa que proporciona a homens velhos a oportunidade de passar a noite com jovens mulheres adormecidas.
Kawabata recebeu o Nobel de Literatura em 1968. Suicidou-se em 1972. Ele buscava uma literatura menos realista, mais lírica e impressionista. Isto se faz notar em seus livros; dele, li também O país das neves, e gostei muito.
Neste A casa das belas adormecidas, acompanhamos as visitas de Eguchi, um velho de 67 anos, à tal casa, por indicação de um amigo. Poucas características daquele negócio serão apresentadas: há regras, mas não sabemos exatamente quais são, tampouco o que aconteceria se as regras fossem descumpridas. Eguchi, que ainda mantém a potência sexual, não se considera um cliente típico da casa, que seriam velhos impotentes, mas parece se viciar em fazer as visitas. Não conheceremos o funcionamento da casa, como as moças são escolhidas e adormecidas, qual droga se usava, ou se estariam mesmo adormecidas. Acompanhamos cinco visitas que Eguchi faz à casa e conheceremos um pouco da vida dele.
Eguchi é casado, tem três filhas que já casaram e moram em suas próprias casas. Ele vai à casa e pensa que não voltará, mas retorna várias vezes. De cada vez, a companhia das moças nuas e adormecidas desperta pensamentos e memórias no visitante, também sonhos e pesadelos. É inquietante a atração de Eguchi pela violência, são frequentes os pensamentos dele formas de maltratar as moças. Eguchi também é atraído por pensamentos de morte, pela ideia de suicídio.
Característicos da cultura japonesa, ao menos na literatura, são os sentimentos de vergonha e de humilhação; estes sentimentos também aparecem na vida e no comportamento de Eguchi. É visível uma certa incompreensão entre as pessoas, conversas que não dizem tudo, situações não discutidas, elipses, silêncios. Para mim, ocidental, há uma permanente estranheza nas histórias contadas por autores japoneses.
Gostei muito do livro, vale a pena conhecer a obra de Kawabata, bem como de outros escritores japoneses do mesmo nível como Mishima, e Tanizaki.
Aviso de spoiler: vou resumir o enredo do livro, continue por sua conta e risco.
O livro é dividido em cinco partes que descrevem as cinco visitas feitas por Eguchi à casa das belas adormecidas.
1. Eguchi, 67 anos, sexualmente ativo, visita a casa por indicação do velho conhecido Kiga. É casado, tem três filhas e netos. É recebido pela administradora, uma mulher de 45 anos. A moça já se encontra adormecida quando Eguchi entra no quarto, ela deve ter menos de 20 anos. Eguchi sente cheiro de leite e isso lhe traz recordações e pensamentos. Toma comprimidos para dormir, pesadelos.
2. Segunda visita à casa. É outra garota desta vez. Se ele quisesse a mesma garota, teria que avisar com antecedência de dois ou três dias. A garota se mexe muito e fala, estaria mesmo adormecida? Ele sente falta das filhas. A caçula deixou de ser virgem com um pretendente, mas logo em seguida casou com outro. Eguchi não compreendeu bem a situação. Comprimidos e noite agitada.
3. Eguchi não resistiu e voltou à casa. Há muitas perguntas em todo o livro e não serão respondidas. A administradora diz que a garota da vez, outra, é mais “experiente”.
4. A quarta visita. A nova garota é mais corpulenta, Eguchi sente vontade de fazer maldades, a garota tem cheiro intenso e pouco agradável.
5. Eguchi soube que um velho morreu na casa. O corpo de velho foi levado para uma pousada de águas termais próxima e os jornais não souberam a verdade. Eguchi pensa em morrer ali com uma moça. Nessa noite, serão duas moças no quarto, sem explicação do motivo. Eguchi parece, por vezes, uma pessoa desagradável, comentários inconvenientes. A administradora fala em um “patrão”. Eguchi pensa em demônios, Buda e culpa. Uma das garotas tem aroma doce, a outra tem cheiro forte e selvagem. Esta morre no meio da noite, talvez o narcótico tenha lhe feito mal. Eguchi ouve o corpo da moça sendo levado.
Trechos:
“O velho Eguchi ainda não era o que a mulher chamava de ‘clientes que nos deixam tranquilos’, embora pudesse vir a sê-lo.”
“(O velho Kiga) dissera que ia lá sempre que o desespero de envelhecer se tornava insuportável.”
“O velho Eguchi pensou que nunca mais retornaria à casa das ‘belas adormecidas’.”
“A decrepitude hedionda dos pobres velhotes que procuravam aquela casa ameaçava atingi-lo dentro de alguns anos. Quanto da imensurável amplitude do sexo, da insondável profundidade do sexo teria ele tocado na sua vida de 67 anos?”
“Porém, essa maldade, essa crueldade acompanhada de um terror violento flutuava na mente de Eguchi, sem tomar uma forma definida. Afinal, qual seria a pior maldade de um homem contra uma mulher?”
“Seriam as ‘belas adormecidas’ uma espécie de Buda? E, além de tudo, um Buda vivo? A pele e o cheiro jovem das garotas seriam, então, o perdão e consolo desses pobres velhotes. [...] chegou a pensar que, como nas lendas antigas, a garota talvez fosse a reencarnação de alguma forma de Buda. Há histórias de prostitutas ou cortesãs que se revelaram, na realidade, reencarnações da divindade.”
“Não seria aquela casa um local ideal para morrer? Atiçar a curiosidade das pessoas, receber críticas do mundo, não seria, pelo contrário, uma glória após a morte? Seria uma surpresa para os conhecidos. Não era possível calcular quanto desgosto causaria à família e aos parentes. Contudo, ser encontrado morto, espremido entre duas mulheres jovens como nessa noite, não significaria a realização de um sonho para um velho decrépito?”