Lady Macbeth do distrito de Mtzensk, Nikolai Leskov, 1865, 95 páginas, tradução de Paulo Bezerra, Editora 34. Início: 28/01/2021 – Fim: 29/01/2021. Nota 3 (escala de 1 a 5).
Aviso de spoiler: vou escrever sobre todo o enredo do livro, continue por sua conta e risco.
Este livro me interessou a partir de uma resenha de Tatiana Feltrin (clique aqui).
Catierina Lvovna é uma personagem com traços de Lady Macbeth, como diz o título, e também de Madame Bovary. Uma mulher jovem cercada por tédio, tédio, tédio – palavra que se repete três vezes no primeiro capítulo – casada com um marido muito mais velho e desinteressado, um comerciante que queria um herdeiro, algo que ele não conseguira com a primeira esposa. Como acontece na época, a culpa da ausência de filhos é de Catierina. A moça conhece um funcionário da propriedade, mulherengo, começam um caso, e iniciam uma série de assassinatos. Catierina é o motor dos crimes, o rapaz a segue, um pouco desinteressado. Às vezes, o rapaz parece despertar a ambição em Catierina. Catierina envenena o sogro que havia descoberto a traição. Ela o faz de moto próprio. Depois, mata o marido e, depois um menino, um possível herdeiro. A ascensão do casal de amantes é rápida, mas não há o tempo da fruição: logo, os crimes são descobertos. Começa a segunda parte da história, na qual Catierina e o amante seguem em longa marcha para a Sibéria. O amante se enrabicha com outras prisioneiras. O final trágico acontece em uma balsa sobre o rio Volga. Um bom livro, vale a pena conhecer a história e o tipo de narrativa que interessava a Leskov, histórias do povo russo.
No posfácio, Paulo Bezerra conta que episódios da infância de Leskov aparecem nas histórias dele. Como o caso da nora que “despejou lacre fervente no ouvido” do sogro: isto faz recordar de “Hamlet”, porque o rei Hamlet é assassinado pelo irmão com veneno no ouvido. No mesmo caso, Leskov diz que a jovem nora foi torturada na praça e que “todos se admiraram de sua brancura”.
Catierina não é uma Lady Macbeth diretamente. É algo mais difuso. De Emma Bovary, ela tem o tédio, a vidinha sem graça, e o rapaz bonito que a encanta, que dá um certo romantismo ao cotidiano insípido. De Lady Macbeth, Catierina não tem o aparente arrependimento. Ou seja, Catierina aguenta o tranco de seus crimes, enquanto Lady Macbeth “se quebra”. Catierina não se quebra pelo remorso: ela se quebra pela volubilidade do amante e se vinga. De Lady Macbeth (e da peça Macbeth), temos aqui a frieza nos crimes, a visão dos fantasmas, a rejeição ao filho recém-nascido (aventada por Lady Macbeth, se fosse necessário), a sucessão de crimes, a morte da criança (como o filho de Macduff), e o suicídio. Cabe observar que os fantasmas não afetam Catierina com a intensidade com que afetam os Macbeth: para Catierina, parecem ser um pequeno incômodo. O suicídio de Catierina é mais amplo que o de Lady Macbeth, porque se reveste de vingança, de desistência e de homicídio.
É curioso notar como Leskov descreve certos detalhes que não afetam o enredo, e que nenhum dos personagens está presenciando ou percebendo: uma alegre matilha de cães que passa na estrada sem nenhuma ruído, um rato que rói uma pena debaixo de uma estufa.
Resumo.
Capítulo
1.
O narrador apresenta Catierina, vinte e quatro anos, que casa com Zinóvi, mais de cinquenta anos. Ela casou porque era pobre, não podia escolher muito e ele a pediu em casamento. Zinóvi, viúvo de um casamento de vinte anos sem filhos. Cinco anos de casamento com Catierina e nada de filhos. Catierina é acusada de ser estéril. Tédio absoluto de Catierina na casa da família.
Capítulo 2.
A barragem do moinho da família se rompe; Catierina fica sem o marido por algum tempo. Conhece o empregado Serguiêi.
Capítulo 3.
Serguiêi vai ao quarto de Catierina.
Capítulo 4.
Depois de alguns dias, o sogro descobre o arranjo, prende e chicoteia o rapaz, manda chamar o filho. Descaradamente, Catierina pede que o sogro solte Serguiêi. A petulância da nora, antes submissa, espanta o velho.
Capítulo 5.
Catierina envenena o sogro, liberta o amante, faz-se o enterro rapidamente. Ela convive abertamente com Serguiêi na propriedade, frente aos outros empregados.
Capítulo 6.
Catierina sonha com um gato que invade o quarto e atrapalha o sono dela. Ela e Serguiêi tomam chá no crepúsculo, sexo ao luar, descrito de forma suave e divertida: “um estridente dueto de gatos; ouviu-se depois um escarro, um bufido raivoso”.
Capítulo 7.
O gato do sonho é o sogro assassinado. O marido volta em segredo. Ele entra silenciosamente na casa para tentar flagrar o crime. Mas, Catierina percebe a chegada do marido e, inclusive, “chega até a ouvir-lhe as batidas aceleradas do coração ciumento” atrás da porta do quarto. Esse trecho faz recordar “O coração denunciador”, de Edgar Allan Poe (1843). Após o marido levantar suspeitas, ela traz o amante para o quarto do casal, beija-o e desafia o marido.
Capítulo 8.
Os amantes matam o marido de Catierina. Serguiêi enterra o corpo sem que ninguém saiba.
Capítulo 9.
Catierina pede autorização para cuidar dos negócios. Surge o menino Fiódor, parente distante, candidato à herança. Catierina está grávida do amante.
Capítulo 10.
Serguiêi e Catierina incomodados com o menino. Serguiêi não quer dividir a herança. Ela se prepara para matar Fiódor.
Capítulo 11.
Os amantes sufocam o menino. Pessoas que saíam da missa percebem o crime, cercam e invadem a “casa pecaminosa”, “como sombras fantasmáticas”.
Capítulo 12.
Os amantes são presos. Serguiêi confessa os crimes; depois dele, Catierina também confessa. Os amantes são açoitados e condenados à deportação para trabalhos forçados. “O carrasco aplicou o devido número de vergões rubro-azuis nas costas brancas e nuas de Catierina Lvovna”. Na prisão, ela tem um bebê, mas o abandona.
Capítulo 13.
Catierina e Serguiêi são levados, juntamente com uma leva de prisioneiros, em longa caminhada para a Sibéria. No grupo, há duas mulheres que interessam a Serguiêi: Fiona e Sônia.
Capítulo 14.
Serguiêi se enrabicha com Fiona e depois com Sônia. Ele passa uma das noites com Catierina e pede a ela um par de meias. Essas meias, ele dá à Sônia.
Capítulo 15.
Na caminhada, Catierina vê Sônia com as meias; ataca e xinga Serguiêi. De noite, ele a ataca com cinquenta chibatadas. Fiona a acolhe. Catierina fica adoentada; a marcha prossegue, é inverno. Balsa sobre o rio Volga, agitado. Nas ondas do rio, ela vê o sogro, o marido e o menino. Catierina agarra Sônia e se joga no rio com ela.