fantasma sai de cena - trecho


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henrique sábado domingo. dias que passaram em branco. henrique fez desenhos, esses ele ainda não escaneou. entabulou jogos de xadrez. leu livros, trechos. pensou na morte próxima. pensou na morte que se aproxima. sonhou com a morte, era uma mulher. a mulher, que era a morte, no sonho, se aproximava da cama na qual henrique dormia. ao mesmo tempo em que dormia via que a mulher se aproximava da cama. ela se curva um pouco para acordá-lo, e na vida real, o sonho acaba, ele acorda. sonhos sempre esquisitos, misturam tempo espaço.
outro sonho. existe uma mulher, não é a morte-mulher, uma mulher que na vida real ele não conhece, mas no sonho conhece e parece que conhece há muito tempo. há um sensação dolorosa de tempo. de querer aquela mulher há muito tempo. no sonho, ele tenta falar com a mulher muitas vezes (muitos dias? em um só dia?). o sonho é angustiado, ele não sabe onde a mulher está, não consegue lhe falar. não sabe se ela dorme, não sabe se está morta, não conhece o quarto em que ela dorme, se dorme.
depois de tentar falar-lhe tantas vezes, procurá-la, consegue encontrá-la, é uma sala de paredes de vidro com cadeiras pretas. henrique está sentado em uma das cadeiras, ela está na sala mas ele não a vê, ouve apenas sua voz. discutem. ele diz que estava angustiado, preocupado, sem saber dela, sem saber se estava viva ou morta. ela diz que ele é quem se afastou e a deixou só, ela responde com uma frase que encerra o sonho, e quando henrique acorda essa frase fica ressoando na sua cabeça. ela disse:
"tudo que tenho é a sua ausência".
henrique encontrou o seguinte trecho no livro de roth, "fantasma sai de cena":
"(...) desde que voltara ao quarto, só fizera me sentar diante da pequena escrivaninha junto à janela, olhar para o trânsito da 53rd street e registrar mais uma vez, no papel de carta do hotel, o mais depressa possível, a conversa que eu não tinha tido com jamie. no meu caderno de tarefas eu anotava o que tinha feito e o que precisava fazer, para ajudar a memória cada vez mais fraca; esta cena de diálogos jamais ocorridos registrava o que não fora feito e não ajudava nada, não aliviava nada, não realizava nada. no entanto, tal como na noite da eleição, me parecera terrivelmente necessário escrever assim que entrei no quarto, pois as conversas que não tive com ela me emocionam mais do que as conversas que tivemos de fato, e a "Ela" imaginária ocupa um lugar intenso no meio da personalidade dela que a "ela" verdadeira jamais ocupará.
mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? não para algumas pessoas. para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante."