recife 20090630 0817
ricardo caminhava e pensava sobre o jogo de xadrez.
ele havia estacionado o carro no estacionamento pago localizado há duas quadras de seu local de trabalho. o bairro onde trabalha é o mais antigo da cidade e concentrar bancos e órgão dos governos, e muitos prédios sem utilização, abandonados. alguns prédios foram demolidos e deram lugar a estacionamentos. um caminho central, vagas de ambos os lados, cobertas de telhas de amianto em ambos os lados. o responsável pelo estacionamento, durante o dia, é um negro de altura mediana. chama-se jacinto. deve ter trinta e poucos anos. o terreno onde se situa esse estacionamento é de esquina e vai de uma rua à outra. em uma das ruas ligadas pelo estacionamento, ricardo tem observado um fenômeno curioso. duas das casas daquela rua foram compradas e transformadas em residências. belas residências, as casas são largas de portas e janelas largas, de primeiro andar, espaçosas. há automóveis estacionados no térreo, onde antigamente eram as cavalariças, o estacionamento das carroças e cavalos. ele imagina que foram estrangeiros ricos - outra cultura, não assustada com a violência urbana - ou ricos brasileiros dispostos a experimentar.
ricardo é solteiro e pensa que gostaria de morar assim, nesse bairro antigo, ou na cidade mais antiga que existe perto da sua, há dez quilômetros de distância. ele se diz solteiro, pois não gosta da palavra "separado", ele não vê o separado como estado civil. ele pensa que "separado" é um tipo de aviso às mulheres incautas, ou seja, avisa-se que aquele homem virá, solteiro, mas acompanhado de ex-mulher, ex-sogra e talvez filhos. ele sonha, se permite sonhar um pouco morando em uma casa antiga em uma cidade antiga, e sonhos geralmente esquecem cupins infiltrações rachaduras, coisas que acompanham cidades e casa antigas.então, voltemos, ricardo deixou o carro no estacionamento e, mesmo enquanto j á fechava a porta, pensava nos jogos de xadrez que está jogando. ele sempre joga cerca de dez partidas de longa duração. ricardo fechava a porta do carro e pensava que deveria ter conduzido sua vida como se conduz uma partida de xadrez, analisando, refletindo, evitando os erros, pelo menos os mais graves, os mais evidentes. mas ele não conseguiu agir assim, foi conduzindo sua vida de forma aleatória, absurda, e agora isso, esse naufrágio completo.ricardo pensa em seu amigo jw, pensa nele como a pessoa que mais conseguiu se aproximar daquilo que seria uma vida conduzida com a racionalidade de uma partida de xadrez. uma pessoa que conseguiu desviar de todas, quase todas, as armadilhas que o adversário, ou o destino, foi preparando para ele ao longo da vida. uma vida perfeita.
mas ricardo sabe, também, que a vida dos outros sempre nos parece perfeita.