A revoada, Gabriel García Márquez, 1955

A revoada, Gabriel García Márquez, 1955, 142 páginas, tradução de Joel Silveira, Record.

Início: 28/11/2020 - Fim: 01/12/2020

Quando comecei a ler, percebi que já havia lido este livro muito tempo atrás, pois já havia sido lançado com outro nome, “O enterro do diabo”. Este nome atual é mais adequado pois o título original é “La hojarasca”. 

Foi o primeiro livro publicado por GGM e já é livro de um autor maduro e competente. A história é narrada por três visões próximas e dessemelhantes, embora com alguns pontos de contato. A narração segue os pensamentos de três personagens: um menino, a mãe e o avô dele. O avô está providenciando o enterro de um homem, o menino e a mãe foram convocados pelo avô para acompanhar o enterro. A história se passa em Macondo. Os pensamentos do menino estão mais ligados ao presente e ao passado próximo, os dias mais recentes, os amigos. A mãe e o avô recordam fatos acontecidos ao longo dos últimos vinte e cinco anos no povoado, enquanto o morto não inicia sua última viagem. 

Aviso de spoiler: vou resumir o enredo do livro, continue por sua conta e risco. 

O livro tem capítulos, mas sem numeração. Vou numerá-los, mas isso não existe no livro. 

Capítulo 1. O menino, a mãe Isabel, e o avô, o coronel, estão na casa do morto (saberemos mais tarde que é o doutor). O leitor vai conhecendo o enredo lentamente, por meio dos pensamentos de cada um dos três. O avô se encarregou do enterro que ninguém queria fazer, o homem se suicidara, a cidade odiava o morto, pois era médico e se recusou a atender feridos, no passado. O alcaide tenta impedir ou atrasar o enterro, a cidade gostaria de sentir o fedor da decomposição. 

Capítulo 2. Recordam-se de Meme, a índia guajira que foi morar com o doutor e desapareceu há onze anos. O alcaide é subornado para permitir o enterro. Recorda-se o dia em que o doutor chegou na casa do coronel vinte e cinco anos atrás. 

Capítulo 3. Naquele mesmo dia, chegaram a Macondo o doutor francês e o padre Cachorro. Conta-se a história paralela da mulher que ocupava o quartinho da igreja. 

Capítulo 4. O menino pensa em seus passeios com os amigos. Recorda-se o dia em que o doutor chegou e pediu capim cozinhado para comer. Ficou morando na casa do coronel e atendendo a população. 

Capítulo 5. A mãe do menino pensa nos habitantes da vila, o que estão fazendo naquela hora, e o menino pensa no colega Abraão e nos mortos. 

Capítulo 6. O doutor tinha muitos pacientes, mas a companhia bananeira absorveu todos, e o doutor deixou de atender, ficava trancado no quarto. Isabel recorda de Martín, um rapaz que apareceu na cidade e com quem se casou, e que foi embora faz nove anos. Tudo é irreal e nebuloso. 

Capítulo 7. Recorda-se o curto período em que o doutor resolveu sair do quarto, se arrumava e ia até a barbearia. A filha do barbeiro era atormentada por um espírito. Isabel recorda quando a madrasta lhe falava sobre Meme e o doutor, enquanto costuravam o vestido de noiva. 

Capítulo 8. Isabel recorda o casamento com Martín. O coronel recorda a conversa com o doutor sobre deus e sobre o padre Cachorro. 

Capítulo 9. O coronel recorda quando Meme ficou grávida, e o doutor mudou-se para a casa da esquina, de onde nunca mais saiu. Martín era um metido a esperto e foi embora em busca de negócios. Meme fazia sexo com muitos homens, não somente o doutor. 

Capítulo 10. O menino recorda quando ia com Abraão ver Lucrécia, mulher que se exibe para eles, levantando a camisola. O coronel recorda quando foi na casa do doutor com o Cachorro, depois que Meme desapareceu. A mãe recorda quando Genoveva voltou, cheia de filhos, e achou o menino parecido com Martín. 

Capítulo 11. O coronel sofrera uma queda e ficara muito mal, três anos antes, o doutor cuidou dele, salvou-lhe a vida, e pediu para que o coronel o enterrasse. O alcaide autorizou o enterro, os índios fecham o caixão, abrem as portas, o enterro vai sair às ruas, ficam perguntas e melancolia. 

Gostei muito da história, é plena de tristeza, de melancolia, de uma angústia seca. O povoado parou, as vidas estão paradas, muitos assuntos não são falados, há ódios antigos e incrustados, incompreensões, enigmas. O coronel é impressionante, digno, reto, corajoso. A mãe do menino, ainda jovem, é quem mais sente o peso opressor do povoado, da decadência, da ausência de respostas. Vale demais ler este livro de García Márquez. 

Primeiros parágrafos: 

“Pela primeira vez vi um cadáver. É quarta-feira, mas sinto como se fosse domingo porque não fui à escola e me fizeram vestir esta roupa de veludo verde que me aperta em algum lugar. Levado pela mão de mamãe e seguindo meu avô, que tateia a cada passo com a bengala para não tropeçar nas coisas (ele não enxerga bem na penumbra, e além disso claudica), passei diante do espelho da sala e me vi de corpo inteiro, vestido de verde e com este laço branco e engomado que me aperta de um lado do pescoço. Vi-me na redonda lua manchada e pensei: "Este sou eu, como se hoje fosse domingo." 

Viemos à casa onde está o morto.” 

Trechos: 

“– Mas uma noite como esta não lhe dá medo? Não tem a sensação de que existe um homem maior que todos os outros caminhando pelas plantações enquanto nada se move e todas as coisas parecem perplexas ante a passagem desse homem?

[...]

– Pode acreditar, coronel, não sou ateu. O que acontece é que me perturba tanto pensar que Deus existe como pensar que não existe. Então prefiro não pensar nisso.”

[...]

‘É um perturbado de Deus’, pensei [...]”