Isabel escreveu: “Nos dias que correm (e correm!), estou lendo Mrs. Dalloway, Woolf, Virginia, e o volume 2 da trilogia 1Q84, Murakami, Haruki. Destaco esse trecho de Mrs. Dalloway, quando Peter Walsh volta da Índia, se julgando um fracassado:”
‘E então eles viviam ali, com seus armários de roupa branca e seus mestres antigos da pintura e suas fronhas com renda de verdade, desfrutando de uma renda de cinco mil ou dez mil por ano possivelmente, ao passo que ele, dois anos mais velho que Hugh, tinha de implorar por um emprego.’
É sempre intrigante como, nos séculos antes do vinte, havia gente que vivia sem trabalhar, de “rendas” que provinham de onde? Encontra-se isso em todo canto, em Machado, em Jane Austen. Possivelmente, é a concretização daquele ditado: pai rico, filho nobre, neto pobre. O país está cheio desses netos lascados de antigas famílias dos engenhos, das fazendas – ainda fazendo de conta que são ricos. Em “Anna Kariênina” também temos muito disso; o próprio Vronski, amante de Anna, é um nobre cheio de dívidas. A única pessoa que trabalha em Kariênina é Liev, alter ego de Tolstói. Este é do campo e realmente trabalha em sua fazenda.
Na literatura, era comum o personagem que não trabalhava, e o trabalho era uma vergonha. Mesmo os remediados não trabalhavam, como em Jane Austen, “Orgulho e preconceito”. O pai de Elizabeth não é nobre nem muito rico, mas não se sabe do que ele vivia. De posses? de terras? Assim, em geral. Carlos Eduardo da Maia se forma médico só de brincadeira; uma pessoa da classe dele não trabalharia de médico. Então, parece que era comum esse viver de algum dinheiro de família (embora isso seja literatura).
Hoje, na literatura, os personagens trabalham. E paralelamente, no mundo real, eu não conheço gente que vive dessas rendas misteriosas. É claro que deve existir gente que vive de renda, de heranças, mas não é tão comum como “nos antigamentes”.
Eu, aqui, no meu trabalhinho medíocre de advogada, tenho que dar o sangue, e o suor, para que as moedinhas pinguem na minha conta todos os meses.