O médico e o monstro, Robert Louis Stevenson, 1886

O médico e o monstro ou O estranho caso do Dr. Jekyll e Sr. Hyde, Robert Louis Stevenson, 1886, 160 páginas, tradução de Jorio Dauster, Penguin Companhia. Início: 05/12/2020 - Fim: 06/12/2020. 

Este livro foi lido em um único dia, iniciando de manhã e terminando no começo da noite. Textos acessórios lidos no dia seguinte. Leitura em voz alta, e não conseguimos largar o livro antes do final. 

Aviso de spoiler: vou escrever sobre todo o enredo do livro, continue por sua conta e risco. 

Jekyll e Hyde estão presentes na cultura popular, assim como Frankenstein e Drácula. Na introdução deste volume, Robert Mighall diz que “muitos daqueles que creem que conhecem bem a história, na realidade não leram as cem páginas de que se compõe o romance. Lá encontrariam algo diferente do que imaginam: uma história mais complexa, satisfatória e perturbadora que a versão recebida pela via da cultura popular”. Isto se aplica a praticamente todos os livros famosos dos quais a gente tem uma pequena noção da história, aquela que sobrou na cultura, mas nunca tivemos o interesse de ler a obra literária. 

O livro de Stevenson é muito bom, intrigante, instigante, merece ser lido, e até mais de uma vez, pois haverá detalhes que passam despercebidos em uma primeira leitura. 

É um livro composto por dez capítulos, alguns bem curtos. Os capítulos apresentam títulos e não são numerados. 

Resumo: 

Capítulo 1: A história da porta. O advogado Utterson e seu primo Enfield costumam fazer caminhadas juntos aos domingos. “Muitos tinham dificuldade de explicar o que esses dois viam um no outro ou que assunto em comum conseguiam encontrar.” Quando passam em frente à porta de uma edificação que parece abandonada, Enfield conta como conheceu o senhor Hyde e o viu entrar por aquela porta mais de uma vez. 

Capítulo 2: A busca pelo sr. Hyde. Utterson não disse a Enfield, mas sabe que aquela porta é a porta dos fundos da casa do doutor Jekyll. O testamento de Jekyll está com Utterson, e o incomoda pois nele Jekyll deixa sua herança para o senhor Hyde, sem motivo conhecido. O advogado imagina Jekyll dormindo e sendo acordado por Hyde no meio da noite; a cena lembra muito aquela de Frankenstein, quando Victor desperta e vê a criatura. O advogado imagina que Jekyll está sendo chantageado por Hyde. Utterson vai à casa do doutor Lanyon fazer perguntas sobre o doutor Jekyll e sobre Hyde, encontra Hyde entrando novamente pela porta, vai à casa de Jekyll que não está. 

Capítulo 3: O dr. Jekyll estava muito tranquilo. Em outra visita, Utterson conversa com Jekyll sobre Hyde e diz que ouviu história abomináveis sobre Hyde. Jekyll diz “não é o que você imagina, não é tão mau assim”. 

Capítulo 4: O assassinato de Carew. Um ano depois, de madrugada, perto do rio, Hyde mata cruelmente sir Carew e some. Sir Carew encontrou Hyde na rua, falou com ele cortesmente e foi atacado. 

Capítulo 5: O incidente da carta. Jekyll entrega a Utterson um bilhete de Hyde; a caligrafia do bilhete é semelhante à de Jekyll. 

Capítulo 6: O notável incidente do dr. Lanyon. Jekyll passa uma fase boa e amigável, depois passa a não sair mais de casa. Utterson visita Lanyon que está doente, condenado. Utterson recebe uma carta lacrada de Lanyon para ser aberta apenas após a morte de Jekyll. 

Capítulo 7: O incidente à janela. Utterson e Enfield caminham juntos e veem e conversam com Jekyll, abatido, que estava na janela do laboratório. 

Capítulo 8: A última noite. O mordomo de Jekyll pede que Utterson vá até a casa do médico. Os criados estão com medo e acham que Hyde matou Jekyll e que é Hyde que está trancado no laboratório. Utterson decide mandar arrombar a porta. Entram e Hyde está nos estertores finais, suicidou-se. Nenhum sinal do corpo de Jekyll. Há um novo testamento que deixa a herança para Utterson. 

Capítulo 9: A narrativa do dr. Lanyon. Em sua carta, Lanyon conta como ajudou Hyde, pegando a poção no laboratório para que Hyde tomasse e, na sua frente, Hyde se transformou em Jekyll. Isto abalou a saúde de Lanyon. 

Capítulo 10: O relato completo do caso por Henry Jekyll. A carta de Jekyll conta toda a história, a pesquisa e a poção, o lado bom e o mau que já existiam em Jekyll, as torpezas e maldades que só existiam em Hyde, as metamorfoses que passaram a ser espontâneas, Hyde estava sobrepujando Jekyll, e o fracasso em fazer a poção novamente. 

Notas: 

Stevenson gosta de brincar com nomes. Hyde tem o som de “hide”, esconder. Jekyll pode ser uma mistura de “je”, eu em francês, mais “kill”, matar em inglês, resultando em “eu mato”. Utterson, onde “utter”, total, completo, em inglês, pode significar que só quem saberá a história completa é o advogado. Enfield, o primo que passeia, “en”, do francês, mais “field”, pode significar “em campo”. 

O advogado Utterson, quando inicialmente descrito, parece muito com o advogado Jaggers, do livro “Grandes esperanças” (1860), de Charles Dickens. 

O advogado assume um papel de detetive, investigando a misteriosa história. Nós o seguimos e, como ele, não conhecemos o caso por dentro, vamos juntando os indícios. Somente com a carta final de Jekyll poderemos saber de quase tudo. 

A história de Stevenson deixa muitos enigmas, muitas suspeitas no ar. Ao contar sobre vidas duplas, aparências duvidosas, Stevenson insinua mais do que declara. Da maldades de Hyde, conheceremos apenas o pisoteamento da menina e o assassinato de Carew. Sabemos que Hyde “extraía prazer do sofrimento dos outros”. Mas quais seriam as torpezas, os prazeres indignos e monstruosos, as infâmias, as abominações que Hyde tanto cometia? Stevenson deixa para a imaginação do leitor. Um dos tipos de torpeza deve ser o relacionamento sexual entre homens, que era proibido por lei e que levou, na mesma época, Oscar Wilde para a cadeia por dois anos. Stevenson insinua que ninguém ali é bonzinho totalmente. Enfield voltava para casa às três da manhã, vindo de “algum fim de mundo”. Sir Carew caminhava de madrugada perto do rio, o que fazia ali, por que abordara com cortesia um sujeito mal-encarado como Hyde. O que havia entre Utterson e Enfield que ninguém conseguia explicar? 

Importante destacar que Jekyll não era o lado bom. Ele afirma que cometia atos indignos escondido e que havia prazer na maldade nele. A poção apenas fez com que o lado mau adquirisse corpo e vida. Aquele lado mau, Hyde, foi se fortalecendo e não queria mais ser bloqueado, quis e quase conseguiu se tornar o lado preponderante.