Homem em queda, Don Delillo, 2007, 256 páginas, tradução de Paulo Henriques Britto, Companhia das Letras. Início: 11/12/2020 – Fim: 15/12/2020.
Projeto de releitura de livros que tenho nas estantes e dos quais lembro quase nada. O que eu lembrava desse livro de Delillo era pouco. Sabia que falava no 11 de setembro, que havia uma personagem feminina e que não havia gostado do livro no geral, somente isso, absurdo como esse livro não marcou, não ficou na memória, e não havia anotações sobre. Fiz a releitura.
Não gostei do livro, não leria novamente nem recomendo. Não é um livro essencial, é dispensável.
Aviso de spoiler: em geral, escrevo sobre todo o enredo do livro, continue por sua conta e risco.
O livro é uma tentativa mal sucedida de contar o choque causado a uma família pelo ataque ao World Trade Center, extrapolando o choque particular para o choque nacional. É uma tentativa mal sucedida porque o enredo, ralo, saiu tedioso, monótono, repetitivo. Sim, pode-se pensar que a forma da narração corresponde à forma de agir e pensar de quem está em estado de choque. Todavia, este choque se reveste de monotonia, de cenas sem função na história, e de apatia, e este choque poderia durar menos, não ocupar todas as 256 páginas do livro.
Keith estava no WTC quando os aviões atacam. Ele desce as escadas atordoado, chega à rua e vai para a casa da ex-mulher, Lianne. Compreende-se o atordoamento de Keith, todavia esse atordoamento não mais o deixa, é para sempre. Lianne recebe o ex-marido, ela também em choque com o atentado, leva-o ao hospital, cuida dele. Nos dias seguintes, Keith não sabe mais o quer da vida, ou não quer nada da vida. Lianne e o filho deles esperam. Esperam até demais, três anos. Keith torna-se um viciado em jogo, vive em cassinos, volta para casa vez em quando. O último capítulo em que Lianne aparece, dá a entender que ela se sente bem e não vai mais querer a presença do amalucado Keith. Ela vai continuar sua vida, somente ela e o filho, de onde parou três anos antes.
Ao redor desse enredo simples, aparecem a velha e arrogante mãe de Lianne, que está se aproximando da senilidade e da morte, o namorado esporádico da mãe, um comerciante de arte europeu, a turminha que jogava pôquer com Keith em descrições chatíssimas sobre esse jogo chatíssimo, Florence Givens, também uma sobrevivente do ataque com a qual Keith mantém um caso volátil de quinze dias, o pai de Lianne que se suicidou e o Homem em Queda, um artista que faz a performance de se pendurar de cabeça para baixo em pontes e viadutos.
O melhor personagem é Lianne, a gente torce por ela, a gente gosta de ver que ela caminha para a frente, que ela vai superando a situação, apesar do tom lento e tedioso da narração. Os outros personagens não produzem um milímetro de empatia no leitor. O filho do casal, por exemplo, é um menino distante, antipático, arrogante. Como se pode ver no resumo abaixo, são inúmeras cenas sem consequência, cenas que podem ser retiradas e não mudam em nada a história.
Abaixo segue resumo de cada capítulo com um ou outro comentário.
Parte 1. Bill Lawton (saberemos depois que Bill Lawton é como o filho do casal chama a Bin Laden).
Capítulo 1. Começa no onze de setembro: um homem que conseguiu sair de um dos prédios atacados caminha em meio ao caos, atordoado, como em um sonho ou pesadelo. Saberemos seu nome mais tarde, Keith.
Capítulo 2. Lianne recebe um cartão postal com um poema de Shelley sobre o Islã, três dias depois do ataque, por coincidência. Lianne e o filho Justin na casa da mãe dela, Nina Bartos. Keith é o ex-marido de Lianne, mas no atordoamento, ele foi para a casa dela. Martin, namorado da mãe, chega da Europa, conversam sobre as torres, casamento, separação.
Capítulo 3. Lianne leva Keith ao hospital, fragmentos de vidro no rosto, estilhaços orgânicos existem quando há um homem-bomba, conta o médico. Isabel é a mãe dos crianças amigas de Justin. Lianne é revisora, trabalha em casa. Keith trabalhou dez anos no WTC, quando se separou foi morar perto do trabalho. O prédio dele está interditado.
Capítulo 4. Lianne é voluntária em um grupo de pacientes de Alzheimer, para escrever e conversar. Homem em Queda é um artista, sua performance é se pendurar de cabeça para baixo, terno e pasta, como as pessoas que pularam do WTC. Lianne foi pegar a mãe na estação de trem e viu o Homem em Queda. Ela dorme com o ex-marido, tensão sexual leve. Keith pegou uma pasta qualquer durante a descida da escada do WTC e levou para casa, não era dele. As crianças usam um binóculo para procurar aviões. O pai de Lianne se matou antes da senilidade. Martin Ridnour no apartamento da mãe, nada mais parece exagerado, eles dizem; ora, hoje temos a pandemia, a história sobrepuja acontecimentos. Nada é grandioso demais, espetacular demais. A mãe de Lianne, rigorosa, agora está envelhecendo, fraquejando.
Capítulo 5. Keith vai à casa da dona da pasta, Florence Givens, ela conta como foi a fuga no WTC. Keith no parque com Justin, Lianne no grupo de Alzheimer, escrevem sobre onde estavam quando aconteceu. Lianne tem insônia, a música árabe da vizinha Elena a incomoda. Lianne e Keith fazem sexo, o mais carinhoso que já fizeram. As crianças procuram aviões, Bill Lawton é Bin Laden.
Na Marienstrasse. É um capítulo sem número sobre muçulmanos. Hammad conversa com um antigo soldado iraquiano de Saddam, a guerra Irã x Iraque, apartamento na Marienstrasse onde planejam os ataques, capítulo inútil, mostra a conversão de Hammad à jihad, o que pode Delillo saber sobre a mente de um muçulmano jihadista, me pergunto.
Parte 2. Ernst Hechinger (saberemos depois que este é o verdadeiro nome de Martin, namorado da mãe de Lianne, mas isso não tem nenhuma importância para o livro).
Capítulo 6. Keith com Florence, revivem o trauma, fazem sexo, Florence descrita como negra de pele clara, desajeitada, feiosa. Lianne no grupo de Alzheimer. Keith chuta a porta de Elena, a da música árabe. Longas descrições sobre a bobagem do pôquer, essas homices de amigos do pôquer. Jantar em família, falam em férias, filho chato, arrogante, o passado antes da separação quando qualquer pergunta era hostilidade, Lianne presta atenção em Keith, estão cuidadosos, se dedicam ao outro, ele usa a palavra “realmente”, ela nota que era a palavra que ele usava antes quando mentia, ela tem o impulso de querer saber tudo sobre a pasta e mais. Keith com Florence e um vago desconforto.
Capítulo 7. Na casa da mãe de Lianne, a discussão repetitiva sobre Islã x Ocidente. Lianne agride Elena, a vizinha da música, sem consequências. Recordações de Keith e Rumsey, colega do pôquer e do trabalho. Lianne no grupo de Alzheimer, ela conta ao grupo onde estava no dia do ataque. Keith recorda do pai, Keith se acha nascido para ser velho, o pai tem satisfação com a velhice, memórias do pôquer, o colega Terry Cheng. Lianne recorda o suicídio do pai. Keith com Florence na loja de colchões, briga com cara que falou de Florence, sem nenhuma consequência. Keith e Lianne assistindo os aviões batendo nas torres, de novo.
Capítulo 8. Keith com Florence, os dias seguintes do dia do ataque, distanciar-se e analisar os acontecimentos. Carol, a editora, e um livro sobre os sequestros. Lianne no grupo d Alzheimer, Keith na academia, Lianne na casa da mãe, conversam sobre Martin, uma tem raiva da outra. Novamente o pôquer. Lianne com Elena na lavanderia. Dia de chuva, Lianne na rua, prédio dos irmãos buscar o menino, Lianne desequilibrada quase ataca a menina amiguinha do filho.
Capítulo 9. Lianne no grupo de Alzheimer, Keith no parque com o garoto, Florence é um duplo de Keith, diz o autor, Keith disse a Florence que acabou. Lianne na rua, Keith enumera as possíveis consequências de contar sobre Florence a Lianne, não vai contar. Lianne vê o Homem em Queda. Keith e Justin indo em direção a Lianne, encontram-se na rua, possivelmente a única cena quase feliz da história.
Em Nokomis. Capítulo sem número sobre os terroristas. Hammad e os terroristas na Flórida. No momento em que se está executando aquilo que foi longamente planejado, não há mais nada para pensar.
Parte 3. David Janiak (saberemos que é o nome do Homem em Queda).
Capítulo 10. Três anos depois do ataque, a mãe de Lianne morreu faz quatro meses, Lianne e Justin em uma passeata, muito se faz pelos filhos sem ter a mínima vontade. Ela tem uma rotina discreta e protegida, gosta da rotina, o garoto é muito chato, não dá para o leitor gostar desse garoto antipático, egoísta, arrogante. Lianne recorda quando esteve no Egito, Lianne se preocupa com a sua genética e o Alzheimer. Keith, o fraco, se tornou um viciado em jogo, passa os dias em cassinos, Las Vegas e outras cidades, e apenas alguns dias com Lianne e Justin. Avisado da morte da mãe de Lianne, veio Martin, conversa babaca sobre a relevância da “América”, dá nojo essa norte-americanice, não é só ser o centro do mundo (talvez), é se achar o centro do mundo. Martin gostava de Nina porque a conversa entre eles nunca terminou.
Capítulo 11. Keith nos cassinos, encontra Terry Cheng, outro personagem que termina viciado, outro duplo de Keith, falta de criatividade. Neste enredo, ninguém consegue se libertar do choque do ataque, Keith conversa com Lianne ao telefone.
Capítulo 12. Lianne em uma exposição de Morandi, Keith nos cassinos, os dois juntos mais uma vez: ela tem necessidade da presença dele e, diz, quer formar a família de novo. os dois se desestruturaram, mas ele não se recompôs; há coisas que não são ditas.
Capítulo 13. Lianne encontra o obituário de David Janiak, o Homem em Queda, o artista performático, morreu aos trinta e nove anos de causas naturais, ela busca e lê informações sobre ele.
Capítulo 14. Keith nos cassinos, é como se fosse um funcionário do cassino, o vício, não consegue deixar o vício, recorda de Florence, foram somente quatro ou cinco encontros, mas pensa nela quase todos os dias, nunca mais falou com ela, o vício está mais arraigado. Lianne recorda do pai, sabe de gente que está lendo o Corão, tentativa de entender, ela corre de manhã cedinho, pensa em se preparar para a maratona do ano que vem, vai à missa algumas vezes, sem acreditar, tentando encontrar ou compreender, compreende que se sente bem consigo mesma: o final do capítulo dá a entender que ela não vai querer mais Keith de volta, na casa, que vai continuar a vida, ela e o garoto, de onde parou três anos antes; bom, melhor assim, Keith é um fraco.
No corredor do rio Hudson. Capítulo final. Hammad no avião, o impacto contra o prédio, Keith em sua sala, o caos, Rumsey morto, a descida pelas escadas, a rua, o estado de choque no qual ele quis permanecer para sempre, ele sempre foi um fraco, um personagem vazio. Fim.
Trecho:
Antes
Keith queria mais do mundo do que havia tempo e meios para adquirir. Agora não
queria mais isso, fosse o que fosse o que ele queria antes, em termos reais,
coisas reais, porque ele jamais soubera de verdade.
Agora
se perguntava se havia nascido para ser velho, para ser velho e só, satisfeito
com uma velhice solitária, e se todo o resto, todos os olhares ferozes e
explosões de raiva que haviam ricocheteado naquelas paredes, eram apenas meios
de fazê-lo chegar lá.
Era
seu pai se manifestando pelas frestas, sentado em sua casa no oeste da
Pensilvânia, lendo o jornal matutino, dando uma caminhada à tarde, um homem
amoldado pela rotina suave, viúvo, jantando, sem nenhuma confusão, vivo,
cercado por sua pele verdadeira.