Desdêmona adormecida, Otelo a beija diversas vezes: “Fica assim quando estiveres morta, e eu te matarei e te amarei depois”. Esta sugestão necrófila de Otelo não é incomum na literatura, tampouco no desejo masculino: o desejo de possuir uma mulher que dorme, ou que faz de conta que dorme, ou que está bêbada e impossibilitada de reagir. Seria, talvez, um desejo de ter uma mulher absolutamente dócil, ou, quem sabe, um desejo de possuir uma boneca, um manequim, um robô. Na literatura, o famoso romance de Yasunari Kawabata, A casa das belas adormecidas, fala de homens que pagam para contemplar mulheres que dormem profundamente sob o efeito de narcóticos. Em Proust, o narrador de A prisioneira tem “amor carnal” com Albertine enquanto ela dorme – ou finge dormir:
Então, sentindo que ela estava em pleno sono e que eu não iria chocar-me em escolhos de consciência recobertos agora pela preamar do sono profundo, deliberadamente galgava sem fazer ruído o leito, deitava-me a seu lado, tomava-lhe a cintura com um dos braços, pousava os meus lábios no seu rosto, no seu coração, depois em todas as partes de seu corpo a minha mão livre, que era então, como as pérolas, levantada também pela respiração de Albertine; eu mesmo me sentia, de leve, movido pelo seu movimento regular: estava embarcado no sono de Albertine. Às vezes me propiciava ele um prazer menos puro. Não havia para isso necessidade de nenhum movimento, bastava deixar minha perna encostada à dela, como um remo largado ao qual se imprime de vez em quando uma ligeira oscilação semelhante ao bater intermitente de asa nas aves que dormem no ar. [...] O ruído de sua respiração, ao se tornar mais forte, podia dar a ilusão do prazer ofegante e, quando o meu chegava ao fim, eu podia beijá-la sem lhe interromper o sono.