Capítulo 31.1 – Clichê
Clichê: lugar-comum, banalidade, frase repetida, chavão.
Então, chegamos a este ponto, este aqui. Toda frase é clichê. Eu fico muito puta com isso, quando penso nisso, e sei lá. Bota aí no gugle qualquer frase tua, ela vai aparecer lá nos resultados. Daí, vou ter que ao contrário pensar, penso, para que frase minha uma não apareça resultados nos, e não seja um chavão. Olha, esses pensamentos que estou tendo aqui, digo logo, é tempo roubado ao meu selviço, já disse uma vez, trabalho em um hospital, na burocracia. Meu marido ganha mais do que eu, aquele filho de uma puta. A puta já morreu, a mãe dele, eu detestava aquela velha: católica, falsa, hipócrita, papa-hóstia, toda noite na missa da Igreja de São Pedro Advíncola. Isso foi um parêntese porque eu queria pensar mesmo é clichê sobre. Esse gugle acabou com a vida dos escritores, toda frase já está lá, foi o que pensei e disse.
Mas fora isso e ademais, o povo colabora com a clichezada. Estava lendo umas resenhas de livros – primeiro digo logo que livro novo com menos de duzentas páginas não é livro, deve ser desconsiderado, é plaquete, é historieta, é continho – lendo as resenhas e encontrei isso, que vos passo, em pensamento. Não vou colocar entre aspas, fodam-se as aspas e quem achar ruim também. Tenho que escrever um parecer aqui do trabalho e daqui a pouco continuo, isso é um parêntese, e também tenho que telefonar para a escola da minha filha, eu odeio essas duas palavrinhas juntas “tenho que” ou essas três “você tem que”. O tempo me corrói.
Encontrei lá: narrativa que flerta com a distopia, flerta com Shakespeare, cria um microcosmo, parece se apoiar, passeia por facetas sombrias, turbilhão de memórias, parece tentar compreender, cria um mundo de possibilidades, parece tentar romper, vai navegando águas cada vez mais profundas.
Flerta e flerta, flertar: namoricar, paquerar. Ou é distopia ou não é. Ou faz referências ao Bardo de Avon (!) ou não faz. Vai paquerar o cara de Avon. Microcosmo todo livro de ficção cria, ora. Facetas sombrias, turbilhão de, mundo de, sei não, sei não. E o livro vai navegando; livro não navega, história não navega; ou o livro se aprofunda em algo ou fica no raso. Os “parece” é que são foda. Ou é ou não é. Se um livro ou história somente parece, então não atingiu nada; ou foi o resenhista que não conseguiu chegar a alguma conclusão: rompe ou não rompe, compreende ou não compreende.
Ai, deus, esse dia de serviço que não termina. Uma falta de sexo danada. Vou ter que resolver sozinha, com a ajuda do brinquedo vermelho. Meu marido hoje não vai querer, vai falar que está cansado, mentira, isso é alguma vagabunda que ele pegou na rua, escroto. Não tenho tempo de ir na casa de Ordep hoje, e esse é outro que não me quer quando eu quero: ele quer que eu avise, que eu marque, diz que eu atrapalho a sua busca incessante de conhecimento. Ele fala assim, escroto e pedante. Tenho que pegar uma roupa na lavanderia.