Domingo. Detesto. Dia de ficar com a menina o dia todo, ver o marido o dia todo, melhor é dia de semana que não se tem de fazer de conta que se é uma família. Detestar é o verbo que me vem à boca todo o tempo. Domingo é tudo mais difícil. A casa continua se sujando, as roupas continuam se sujando, mas a menina quer brincar, a menina quer, a menina quer, a menina quer tudo. O marido não faz a barba, se aboleta na rede, no sofá. Parece que domingo é livre, mas é nada, a obrigação de fazer algo diferente, levar a menina no parque ou praia, almoçar em algum restaurante entupido de gente barulhenta e deseducada. Eu não pergunto, eu sei o que eu fiz para merecer isto, eu brinquei de boneca, é um mal, brinquei de casinha e pensava que a vida era brincar de casinha, um marido boneco, um carro rosa, tudo perfeito. A menina brinca de boneca, fazer o quê, é a mesma merda, a mesma repetição. Domingo. Marido acorda mais tarde e a menina acorda mais cedo, eu nem consigo pensar direito e levanto para enganar a menina com uma brincadeirinha e recolher a roupa do varal e pensar no que vai ser o café da manhã e o que vai ser no café da noite, o almoço já resolvido, é domingo, vou comer demais no meio do barulho.
Passarinho canta enquanto recolho a roupa. Detesto passarinho. Deve ser bom, ser passarinho, morre logo, dura pouco, não cuida de casa.