Capítulo 23.1 – Fedra de Cabanel
Instruções para observar Fedra de Cabanel, ao modo de Cortázar, sem a verve de Cortázar.
Phèdre, 1880, óleo sobre tela, Alexandre Cabanel, Musée Fabre, Montpellier, altura: 194 cm, largura: 286 cm.
Entrar no museu exclusivamente para visitar Fedra. A gente dirige horas de atenção a filmes e livros, mas não faz o mesmo com pinturas. Os museus, com suas centenas ou milhares de obras expostas, induzem o espectador a passar somente alguns segundos na frente de um quadro. Mais é melhor, mais paga o ingresso. Caso não possa visitar o museu, use a internet.
Saber algo dos mitos: Fedra, filha de Minos, rei de Creta, foi dada em casamento ao herói Teseu, mas se apaixonou por Hipólito, filho dele com uma amazona. Hipólito detestava as mulheres e não correspondeu à paixão da madrasta. Fedra, temendo que Hipólito denunciasse ao pai o ardor com que ela o perseguia, preparou uma farsa. Acusou Hipólito de tentar seduzi-la; então, Teseu suplicou a Poseidon que fizesse morrer o filho, o que lhe foi concedido. Fedra enforcou-se, não conseguindo resistir ao desespero e ao remorso. (Dicionário da mitologia grega e romana, Pierre Grimal, esgotado).
Tecer considerações próprias sobre a tela em questão.
Não ler, ou ler por sua conta e risco, as minhas considerações.
A representação de Cabanel não traz referências diretas ao mito, e assim parece estranha. A moça está nua, pensativa, deitada em seu leito, uma criada dorme sentada e outra observa a moça, aparentemente com uma lágrima no rosto.
A cor da pele de Fedra difere grandemente daquela das criadas: Fedra é pálida, aquela pele que os livros antigos chamavam de alabastro. As criadas apresentam uma tez de bronze que se aproxima daquilo que se pode pensar sobre Creta, ilha solar no Mediterrâneo. A palidez do corpo de Fedra, embora comum na obra de Cabanel, prenuncia a morte que se aproxima.
Fedra se cobre com um tecido transparente da cintura para baixo. O torso nu e o rosto conformam o centro da imagem. Destaca-se o corpo comum da moça, sem a perfeição que se nota na pintura dos séculos passados, e até em outros quadros do pintor: é famoso o seu Nascimento de Vênus que está no Musée d’Orsay.
O seio direito está levemente prensado contra a cama e o esquerdo pende sobre o direito, parcialmente coberto pelo braço esquerdo. A moça tem longos cabelos ruivos e aquele nariz que se dizia grego. A carne do torso apresenta leves dobras, sente-se o peso do seio e da barriga, um corpo jovem, mas humano.
A mão que apoia a cabeça, o rosto e o olhar, mostram a concentração do pensamento em algum projeto malévolo: há decisão e melancolia. A atmosfera simultaneamente tranquila e ansiosa, como antes de uma borrasca, anuncia a tragédia.
A presença das criadas é misteriosa em sua inatividade. A criada que dorme está em uma posição que sugere não o sono, mas o suicídio.
O
braço direito de Fedra, para cima, indica as maquinações no cérebro da moça; o
braço esquerdo caído e vertical aponta para o Hades. O capacete de Teseu, no alto
à direita, com o olhar fixo para baixo, confirma o destino da moça, e sinaliza
o luto diante das mortes precoces e indesejadas.